Nos últimos meses, viagens a Brasília têm sido cada vez mais frequentes na agenda do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que tem participado de audiências públicas no Congresso, batido ponto nos Ministérios da Casa Civil e de Minas e Energia e se reunido com representantes do Tribunal de Contas da União (TCU). O motivo: a decisão que o governo federal terá de tomar sobre o vencimento da primeira grande leva de concessões de serviços de utilidade pública que, pelas regras atuais, não poderia ser renovada.
Entre 2015 e 2017, expiram concessões que abrangem 20% da geração de energia do país, 73 mil quilômetros de linhas de transmissão e 37 distribuidoras que atendem a milhões de brasileiros. Até o fim do ano, o governo federal deverá decidir se irá renovar mais uma vez as concessões ou se irá licitar os contratos, que, em sua maioria, estão nas mãos de estatais.
O setor elétrico parecia convencido de que o governo estava inclinado a decidir pela prorrogação das concessões, mas a recente ação da Fiesp colocou uma dúvida sobre o processo. Para Skaf, a discussão é uma oportunidade de ouro para que o Brasil acabe com a distorção existente hoje, em que o custo de produção da energia é baixo, mas as contas de luz estão entre as mais elevadas do mundo. "O preço médio da geração dessas concessões, cuja idade média é de 56 anos, é de R$ 90 o MWh. Como essas usinas têm seus custos amortizados, seria preciso custear apenas a operação e a manutenção delas. A licitação desses empreendimentos, sob os critérios de menor tarifa, como prevê a lei do setor elétrico, fixada quando a presidente Dilma ainda era ministra, faria o custo baixar para R$ 20 o MWh ou até menos, o que implicaria R$ 900 bilhões em 30 anos em ganhos para todos os consumidores", afirma.
Para Skaf, há outro argumento em favor da licitação: em 1993, foi promovido um acerto de contas no setor elétrico, em que as geradoras estatais, prejudicadas por congelamento de tarifas, receberam US$ 26 bilhões de recursos dos contribuintes, o que hoje seriam R$ 144 bilhões corrigidos. "Esse dinheiro foi para o caixa das empresas e, depois, muitas delas tiveram suas concessões prorrogadas por 20 anos com um regime livre de preços", afirma Skaf. "Esses R$ 900 bilhões serão divididos por toda a sociedade ou ficarão para os mesmos?", questiona o presidente da Fiesp.
Skaf observa ainda que a prorrogação vai contra a Constituição, o que poderia fazer a entidade entrar com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), caso o governo decida-se por esse caminho. A federação já protocolou em julho representação no Tribunal de Contas da União (TCU) requisitando que se cumpra o que está na Constituição e que sejam adotadas medidas para a realização das licitações.
Um grupo do governo, que reúne representantes de vários órgãos, tem se reunido periodicamente em Brasília para discutir o tema. A ideia é que uma decisão seja tomada ainda neste ano. "A questão é complexa, mas a premissa do governo é de que o consumidor seja beneficiado, porque grande parte das usinas já teve seus custos amortizados, o que precisa ser repassado à sociedade", diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE).
"Se houver licitação, há questões que vão surgir, porque a estrutura de técnicos de uma usina pode ser desmantelada com a decisão e isso pode afetar a gestão de todo o setor elétrico. Então é preciso muita cautela", analisa Tolmasquim.
Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudo do Setor de Energia Elétrica (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a discussão envolve o Estado e o uso das estatais como ferramenta de política energética. "Com a licitação, o Brasil perderia essa ação das suas empresas do setor, um dos mais importantes instrumentos de política energética que um país tem", afirma. Para ele, ao licitar os ativos, haveria um ganho de curto prazo nos preços da energia. "No longo prazo, iremos pagar mais pela construção de hidrelétricas", diz.
Na sua avaliação, a atuação das estatais do grupo Eletrobrás foi essencial para que o preço dos últimos leilões de hidrelétricas despencasse. Castro cita como exemplo o leilão da hidrelétrica de Teles Pires, licitada por R$ 60 o MWh no ano passado.
A discussão também traz incógnitas. "Há uma dúvida: se o governo decidir pela prorrogação, isso criaria jurisprudência para as concessionárias que adquiriram ativos por tempo determinado nos leilões de privatização da década de 1990? Elas também poderiam requisitar o mesmo tratamento?", questiona um empresário do setor de infraestrutura.
Esse debate remete à Lei 9.074, de 1995, promulgada em meio à privatização do setor elétrico. As empresas desestatizadas foram compradas em leilões por companhias privadas, que pagaram pelo direito de explorar o serviço público. Para essas empresas, as concessões foram "zeradas" e dadas por 30 anos, com possibilidade de renovação - regra que vale também para novas usinas de geração. Já no caso de ativos que não foram privatizados, algumas concessões foram prorrogadas por vinte anos, encerrando-se a partir de 2015.
Para alguns advogados, não poderia haver nova prorrogação. O artigo 175 da Constituição Federal determina que o poder público tem a incumbência de prestar um serviço público diretamente ou por meio de concessão ou permissão, "sempre através de licitação". A Lei de 2004, que estabeleceu as novas bases do setor, também reforçaria a necessidade de licitação sob o critério da oferta de menor tarifa. (Valor Econômico)
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* Próximos leilões de usinas hidrelétricasjá estão na agenda
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Entre 2015 e 2017, expiram concessões que abrangem 20% da geração de energia do país, 73 mil quilômetros de linhas de transmissão e 37 distribuidoras que atendem a milhões de brasileiros. Até o fim do ano, o governo federal deverá decidir se irá renovar mais uma vez as concessões ou se irá licitar os contratos, que, em sua maioria, estão nas mãos de estatais.
O setor elétrico parecia convencido de que o governo estava inclinado a decidir pela prorrogação das concessões, mas a recente ação da Fiesp colocou uma dúvida sobre o processo. Para Skaf, a discussão é uma oportunidade de ouro para que o Brasil acabe com a distorção existente hoje, em que o custo de produção da energia é baixo, mas as contas de luz estão entre as mais elevadas do mundo. "O preço médio da geração dessas concessões, cuja idade média é de 56 anos, é de R$ 90 o MWh. Como essas usinas têm seus custos amortizados, seria preciso custear apenas a operação e a manutenção delas. A licitação desses empreendimentos, sob os critérios de menor tarifa, como prevê a lei do setor elétrico, fixada quando a presidente Dilma ainda era ministra, faria o custo baixar para R$ 20 o MWh ou até menos, o que implicaria R$ 900 bilhões em 30 anos em ganhos para todos os consumidores", afirma.
Para Skaf, há outro argumento em favor da licitação: em 1993, foi promovido um acerto de contas no setor elétrico, em que as geradoras estatais, prejudicadas por congelamento de tarifas, receberam US$ 26 bilhões de recursos dos contribuintes, o que hoje seriam R$ 144 bilhões corrigidos. "Esse dinheiro foi para o caixa das empresas e, depois, muitas delas tiveram suas concessões prorrogadas por 20 anos com um regime livre de preços", afirma Skaf. "Esses R$ 900 bilhões serão divididos por toda a sociedade ou ficarão para os mesmos?", questiona o presidente da Fiesp.
Skaf observa ainda que a prorrogação vai contra a Constituição, o que poderia fazer a entidade entrar com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), caso o governo decida-se por esse caminho. A federação já protocolou em julho representação no Tribunal de Contas da União (TCU) requisitando que se cumpra o que está na Constituição e que sejam adotadas medidas para a realização das licitações.
Um grupo do governo, que reúne representantes de vários órgãos, tem se reunido periodicamente em Brasília para discutir o tema. A ideia é que uma decisão seja tomada ainda neste ano. "A questão é complexa, mas a premissa do governo é de que o consumidor seja beneficiado, porque grande parte das usinas já teve seus custos amortizados, o que precisa ser repassado à sociedade", diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE).
"Se houver licitação, há questões que vão surgir, porque a estrutura de técnicos de uma usina pode ser desmantelada com a decisão e isso pode afetar a gestão de todo o setor elétrico. Então é preciso muita cautela", analisa Tolmasquim.
Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudo do Setor de Energia Elétrica (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a discussão envolve o Estado e o uso das estatais como ferramenta de política energética. "Com a licitação, o Brasil perderia essa ação das suas empresas do setor, um dos mais importantes instrumentos de política energética que um país tem", afirma. Para ele, ao licitar os ativos, haveria um ganho de curto prazo nos preços da energia. "No longo prazo, iremos pagar mais pela construção de hidrelétricas", diz.
Na sua avaliação, a atuação das estatais do grupo Eletrobrás foi essencial para que o preço dos últimos leilões de hidrelétricas despencasse. Castro cita como exemplo o leilão da hidrelétrica de Teles Pires, licitada por R$ 60 o MWh no ano passado.
A discussão também traz incógnitas. "Há uma dúvida: se o governo decidir pela prorrogação, isso criaria jurisprudência para as concessionárias que adquiriram ativos por tempo determinado nos leilões de privatização da década de 1990? Elas também poderiam requisitar o mesmo tratamento?", questiona um empresário do setor de infraestrutura.
Esse debate remete à Lei 9.074, de 1995, promulgada em meio à privatização do setor elétrico. As empresas desestatizadas foram compradas em leilões por companhias privadas, que pagaram pelo direito de explorar o serviço público. Para essas empresas, as concessões foram "zeradas" e dadas por 30 anos, com possibilidade de renovação - regra que vale também para novas usinas de geração. Já no caso de ativos que não foram privatizados, algumas concessões foram prorrogadas por vinte anos, encerrando-se a partir de 2015.
Para alguns advogados, não poderia haver nova prorrogação. O artigo 175 da Constituição Federal determina que o poder público tem a incumbência de prestar um serviço público diretamente ou por meio de concessão ou permissão, "sempre através de licitação". A Lei de 2004, que estabeleceu as novas bases do setor, também reforçaria a necessidade de licitação sob o critério da oferta de menor tarifa. (Valor Econômico)
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