Um crime silencioso deverá causar prejuízos de R$ 8 bilhões ao sistema elétrico brasileiro em 2012. Alçado à condição de uma das maiores preocupações das distribuidoras, o furto de energia já equivale ao consumo do município de São Paulo por um ano inteiro.
Essa conta não fica só com as empresas. Elas assumem uma parte das perdas, mas a avalanche de ligações clandestinas recai também sobre quem paga a fatura em dia: elas são 3,1% mais caras, na média nacional, para compensar o "sumiço" de 25.751 gigawatts-hora (GWh).
Os números constam de estudo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), que traça o retrato mais abrangente já realizado sobre o assunto. Por trás dos dados estatísticos, a perda de vidas humanas chama a atenção do presidente da associação, Nelson Fonseca Leite: na última década, 444 pessoas morreram ao fazer "gatos", conectando uma propriedade privada à rede elétrica de forma irregular.
No momento em que os reservatórios das usinas hidrelétricas estão chegando a um nível crítico, e térmicas a óleo precisam ser acionadas para evitar riscos de desabastecimento, Leite observa que o furto de energia agrava ainda mais a situação. "Quem rouba eletricidade não se preocupa em economizá-la, porque ela não dói no bolso", afirma.
Na região Norte, onde o problema é especialmente grave, as tarifas ficam 6,9% mais caras por causa do índice de furtos. O presidente da Abradee se preocupa com o efeito das contas de luz mais elevadas sobre a inadimplência no pagamento de energia elétrica. Quando os atrasos se transformam em ameaça de corte no fornecimento, isso pode induzir consumidores inadimplentes a fazer também ligações irregulares. "Todo mundo sai perdendo com essa situação, inclusive o poder público, que deixa de arrecadar impostos."
Um dos problemas mais graves está na área de concessão da Light, no Rio, onde 19,8% de toda a energia é furtada - o equivalente à produção de uma usina como Angra 1. Em algumas comunidades nos morros cariocas, nas quais os índices de criminalidade e a ausência de segurança dificultam a chegada da fiscalização, as perdas representam de 70% a 80% da distribuição de energia. Agora, com a pacificação das favelas e a proliferação das Unidades de Polícia Pacificadora, a empresa acelerou seus esforços para combater a situação.
Até o fim do ano, a intenção da empresa é regularizar a condição de 60 mil unidades consumidoras nessas comunidades, segundo o superintendente de recuperação de energia, Marco Antônio Vilela de Oliveira. Nas comunidades pacificadas Santa Marta, Babilônia, Batan, Chapéu Mangueira, Cidade de Deus e Formiga, a Light já eliminou 88% das fraudes existentes.
Ao mesmo tempo, há campanhas de conscientização e de eficiência energética nesses locais, a fim de reduzir uma explosão da inadimplência por famílias que antes usavam "gatos" e não pagavam nada pela energia consumida. As ações envolvem substituição de lâmpadas antieconômicas e até a troca de geladeiras.
Vilela diz que cerca de 140 mil inspeções devem ser feitas, ao longo de 2012, em áreas com suspeitas de fraude. Normalmente, há descobertas de irregularidades em 30% das inspeções. "A Polícia Civil, por meio da delegacia de defesa dos serviços delegados, tem nos dado todo o apoio", elogia o superintendente. "A postura da Light, nas comunidades pacificadas, tem sido reformar a rede. Tiramos os gastos, firmamos um pacto e entramos com um trabalho de conscientização sobre o consumo de energia."
O problema, no entanto, não está somente em áreas pobres e perigosas. "Temos casos na Barra da Tijuca e na zona sul", diz Vilela. Na semana retrasada, descobriu-se que um clube social da região também furtava energia. Em blitz no bairro de Copacabana, foram encontradas fraudes em dois hotéis, afirma Vilela. "Ficamos estarrecidos", afirma o executivo. Nos cálculos da Light, se todo o furto de energia fosse eliminado, as contas de luz para quem paga em dia teriam uma redução de 17%.
Nos últimos meses, a polícia paulista prendeu uma quadrilha especializada em instalar "gatos" na região de Araçatuba, no interior do Estado. O "serviço" era vendido a empresas que queriam fraudar medidores de energia e diminuir o valor das contas de luz. A quadrilha faturava R$ 400 mil por mês. No Estado do Amazonas, casos de furto foram encontrados até em pequenas empresas do polo industrial de Manaus.
Para a Abradee, além da tolerância zero na fiscalização, aperfeiçoamentos tecnológicos podem ajudar no combate à prática do furto. As redes inteligentes de energia e os medidores pré-pagos, que devem ganhar impulso em 2013 com novas regras da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), são um avanço.
Com a construção de usinas hidrelétricas cada vez mais distantes dos grandes centros consumidores, principalmente na região amazônica, outro problema tende a ficar mais evidente nos próximos anos: o volume de perdas técnicas no sistema de transmissão, desde a saída dos megawatts produzidos nas usinas até a chegada às residências. Somando essas perdas aos furtos, 16,8% de toda a energia gerada no país acaba perdida de alguma forma. (Valor Econômico)
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