O governo federal reconhece os erros cometidos e garante que novas usinas hidrelétricas como a de Balbina não serão reproduzidas no país. A retomada da construção de usinas com reservatórios de acumulação, no entanto, como é o caso de Balbina, é um tema que, nas palavras da presidente Dilma Rousseff, "tem que ser discutido".
Ontem, reportagem do Valor mostrou os problemas criados pela construção da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, na década de 80. A obra exigiu a inundação de 2.360 km2 de mata nativa. O rio Uatumã, que não passava de um pequeno afluente do rio Amazonas, se transformou em uma gigantesca represa, com área equivalente às das cidades de São Paulo e Campinas juntas. O lago formado é tão grande que pode ser identificado em imagens de satélite em qualquer serviço de mapa disponível na internet. Tudo para obter uma potência instalada de 250 megawatts (MW) e fornecer apenas 12% da energia consumida por Manaus.
Apesar disso, os planos para erguer projetos com grandes represas - situação que permite o controle da vazão da água por mais tempo, o que significa mais garantia de energia - não foram descartados. A questão agora é saber em que locais essas barragens poderiam ser construídas.
Todos os grandes aproveitamentos hidrelétricos do governo apontam para a região amazônica. Levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sinaliza que, atualmente, há cerca de 30 usinas planejadas ou em fase de construção na região. Nessa lista de projetos, a joia da coroa é São Luiz do Tapajós, a última grande hidrelétrica prevista para ser instalada na área que um dia já pertenceu ao Parque Nacional da Amazônia.
O governo tem enfrentado uma série de dificuldades para realizar os estudos de viabilidade técnica e ambiental de São Luiz, usina estruturada para ter capacidade de 6.133 megawatts. No governo, a expectativa é que, até o início do ano que vem, os estudos estejam prontos e sejam entregues ao Ibama. A previsão é leiloar a construção da hidrelétrica entre o fim de 2014 e início de 2015, meta que dificilmente será cumprida, dada a complexidade do projeto.
O argumento central utilizado pelo governo para levar adiante as novas usinas da Amazônia é de que seus reservatórios não acumulariam grandes volumes de água. As hidrelétricas a "fio d"água", como são conhecidas, aproveitariam a força de vazão dos rios para gerar energia, dispensando a necessidade de se erguer grandes barragens para gerar acúmulo e queda de água.
Na prática, os reservatórios sempre são necessários, seja qual for a engenharia escolhida. A hidrelétrica de Itaipu, com seu lago de 1.350 km 2, é uma usina a fio d"água, só que possui potência de geração de 14 mil MW. Outras hidrelétricas em construção - Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, Teles Pires e Belo Monte, no Estado do Pará - também entram nessa categoria, apesar de formarem também grandes lagos.
O Brasil é dono do terceiro maior potencial hidrelétrico do planeta e detém 10% de todo o recurso hídrico mundial, só atrás da China (13%) e da Rússia (12%). Desse total, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), somente um terço é utilizado até hoje para geração de energia. Os demais 66% estão na Amazônia.
Para viabilizar os empreendimentos, o governo recorreu ao expediente de reduzir, por meio de portarias, unidades de conservação ambiental permanentes. Por lei, essas florestas não poderiam ser afetadas pela inundação de lagos de usinas.
O inventário hidrelétrico e o Plano Decenal de Energia (PDE), documentos do governo que funcionam como bússola para a expansão energética do país, indicam que novas revisões de áreas protegidas terão, inevitavelmente, de ser feitas. Também terão que ser tomadas medidas em relação aos crescentes conflitos indígenas, por conta da aproximação cada vez maior de terras demarcadas. O Instituto Acende Brasil, especializado no setor elétrico, aponta que, dos 19,6 mil MW de energia hidrelétrica previstos para serem adicionados à matriz energética até 2021, 82% (16.089 MW) interferem em terras indígenas. Nas últimas semanas, o governo tem enfrentado uma série de manifestações para viabilizar as audiências públicas da usina de São Manoel, no rio Teles Pires.
"O que vemos é que o processo de decidir o que fazer não mudou em nada desde Balbina, apesar das mudanças na legislação ambiental. Todos os estudos são feitos depois que a decisão já está tomada. Eles não servem para atestar a viabilidade de algo, mas para ratificar a execução", afirma Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). (Valor Econômico)
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