terça-feira, 6 de novembro de 2012

Pressão estatal ameaça investimento em energia

As novas regras para o setor elétrico no país, que pretendem reduzir as tarifas ao consumidor e à indústria em 20%, em média, a partir de fevereiro, ameaçam os investimentos necessários para manter a capacidade de abastecimento do país. Para especialistas, a operação do sistema elétrico é cara e exige remuneração adequada. Nesse cenário, as oito empresas de energia que fazem parte do Ibovespa, referência da Bolsa de Valores de São Paulo, já acumulam perdas de R$ 19,064 bilhões em pouco mais de dois meses. No ano, a perda chega a R$ 29,428 bilhões, segundo dados da Economatica. Ontem, as ações do setor despencaram na Bolsa, com a avaliação de que o valor das indenizações que estão para vencer e das novas tarifas é muito baixo e não é suficiente para garantir companhias rentáveis. 

- As tarifas são muito baixas frente à responsabilidade das empresas de operar e manter ativos estratégicos e caros. O barato pode sair caro - afirma o coordenador do Grupo de Estudos em Energia Elétrica da UFRJ Nivalde de Castro. 
A tentativa do governo de chegar a um custo menor de energia tem como objetivo reduzir o Custo Brasil e melhorar a competitividade das empresas brasileiras. Pela proposta, o governo pagará indenizações num total de mais de R$ 20 bilhões para geradoras e transmissoras de energia, cujos contratos venceriam até 2017, que renovarem seus contratos até 2042 cobrando tarifas menores. O objetivo é reparar investimentos ainda não amortizados. As concessões de quem não aceitar as novas condições irão a leilão. O montante anunciado ficou muito abaixo do esperado pelas companhias. 

- Do ponto de vista operacional, é complicado manter usinas com os valores previstos no plano do governo - acrescenta Castro. 
A preocupação é compartilhada com Roberto D"Araújo, diretor do instituto Ilumina, para quem as tarifas propostas pelo governo não cobrem investimentos de manutenção: 
- Se isso (a nova tarifa) for implementado sem revisão, vamos ter problemas sérios. Fico impressionado como se consegue chegar a essas contas. Furnas perde 60% de sua receita, enquanto Chesf perde 80%. 

Segundo seu cálculo, o preço do megawatt/hora na Usina Hidrelétrica de Três Irmãos, por exemplo, será de R$ 3. 
- Acho que há um grande engano. Como garantir a manutenção de uma usina com R$ 3 por megawatt/hora? - questiona D"Araújo. 
Na avaliação do analista do Santander Márcio Prado, a proposta do governo foi "bastante dura" e existe risco de as empresas não aceitarem renovar seus contratos pelas regras que resultarão em redução de tarifas. Segundo ele, é difícil entender qual será o incentivo dado pelo governo às companhias para aceitar o arranjo. 

Eletrobras foi a maior queda do Ibovespa 
O anúncio de que o governo federal vai pagar mais de R$ 20 bilhões à vista em indenizações ocorreu na quinta-feira à noite, depois do fechamento do mercado. Como a Bolsa estava fechada na sexta-feira por causa do feriado, só ontem as ações reagiram. As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da Eletrobras caíram 8,21%, a maior queda do Ibovespa. Já as preferenciais da Cesp recuaram 5,76%, enquanto as da Cemig perderam 2,85%. Transmissão Paulista PN, por sua vez, teve queda de 4,22%. O Ibovespa caiu 0,30%, aos 58.209 pontos, enquanto o dólar subiu 0,19%, a R$ 2,035. 

- As empresas perderam um valor gigantesco em capitalização de mercado. É preocupante - aponta Márcio Prado. 

Para se ter uma ideia, a Eletrobras encerrou o dia de ontem com valor de mercado de R$ 16,096 bilhões, pouco acima dos R$ 13,9 bilhões que o governo dará à empresa como indenização. A estimativa da própria empresa era de que receberia R$ 30 bilhões na nova configuração dos contratos. Roberto D"Araújo acredita que as empresas federais acabem se enquadrando, mas entende quem não aceitar a renovação: 

- Ou as companhias aceitam tarifas baixíssimas ou não renovam. É preciso fazer mágica. 

Diante das incertezas que rondam o setor elétrico, os analistas Marco Aurélio Barbosa e Bruno Piagentini, da Coinvalores, consideram mais prudente não investir nos papéis no momento. As concessionárias têm até 4 de dezembro para decidirem se aderem ou não às novas regras. 
Analistas, no entanto, não veem a indenização sugerida como definitiva. Para Nivalde de Castro, o governo teve que preparar uma proposta criteriosa porque os interesses dos recursos da União estavam em jogo e o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Procuradoria Geral da União poderiam questionar os valores mais à frente. Mas a negociação no Congresso para a aprovação da medida provisória 579 pode levar a valores maiores do que os estabelecidos. 

- Se o Congresso aprovar um valor maior, para diminuir o risco das empresas, o TCU tem que aceitar - diz Castro.  
A Eletrobras, porém, reconheceu por meio de nota enviada ao GLOBO ontem que terá de se adequar às imposições feitas pelo governo. 

A rubrica que engloba pessoal, manutenção, serviços e outros no orçamento da estatal precisará passar por um ajuste, segundo a empresa. "Por exemplo, vamos reduzir ou eliminar alguns patrocínios culturais e esportivos", disse por meio da nota. Além disso, na área de pessoal, a Eletrobras está planejando um Plano de Demissão Incentivada. 
A empresa não entende, porém, que sua capacidade de investimento tenha sido abalada. "Não pensamos que o caixa seja afetado naqueles investimentos que estão em andamento, já que eles possuem financiamentos contratados e a indenização que receberemos será usada para investir." 

A empresa diz ainda que as mudanças nas concessões atingirão capacidade de geração de 15 Gigawatts (GW), enquanto, nos próximos anos, deverão entrar em operação 12 GW de novas usinas. "Ou seja, haverá quase uma compensação, que permitiria a manutenção de uma boa capacidade para continuar investindo." 
Segundo a estatal, projetos novos continuarão a ser estudados e, se eles forem interessantes, a empresa vai entrar, de preferência em parceria com a iniciativa privada. "Nosso plano é manter o nosso "market share" na geração, que é em torno de 40%". (O Globo)

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