O novo Código Florestal, em tramitação no Senado após aprovação na Câmara dos Deputados, pode criar um passivo de R$ 30 bilhões para as empresas do setor elétrico, segundo cálculo do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico. A lei prevê que o "empreendedor" deve bancar os custos de "aquisição, desapropriação ou remuneração por restrição de uso" de toda a Área de Preservação Permanente em torno dos reservatórios de hidrelétricas construídas antes de 2001. A Casa Civil e o Ministério das Minas e Energia já fizeram reuniões com executivos do setor para debater a proposta em discussão na Câmara
Às voltas com a indefinição que ronda o fim das concessões de usinas com 18 mil megawatts (MW) de capacidade, as principais empresas de geração de energia elétrica acenderam mais um sinal de alerta: o novo Código Florestal, em tramitação no Senado, pode criar um passivo de R$ 30 bilhões.O cálculo foi feito pelo Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase), com base nas exigências da nova legislação, já aprovada na Câmara dos Deputados. Esse valor supera todo o investimento previsto na construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, a obra em andamento mais cara do país.
O passivo tem origem na obrigatoriedade de "aquisição, desapropriação ou remuneração por restrição de uso" de toda a Área de Preservação Permanente, conhecida como APP, em torno dos reservatórios de hidrelétricas construídas antes de 2001. O texto remete ao "empreendedor" as despesas criadas com a nova lei.
Naquele ano, medida provisória assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso passou a exigir a compra ou a desapropriação, pelas geradoras, de toda a APP nos entornos dos reservatórios. Antes disso, poucas empresas tomaram a precaução de manter livres as terras em volta dos lagos responsáveis pela geração de energia.
As concessionárias de energia dizem que o trecho do Código Florestal com essas exigências entrou no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) a menos de 24 horas da votação na Câmara, em maio, o que impediu a discussão do assunto. "Fomos surpreendidos na véspera. Nunca se havia falado nisso", afirma Luiz Fernando Vianna, coordenador do Fmase.
A Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia já fizeram reuniões com executivos do setor elétrico para debater a nova legislação. No entanto, o relatório apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado manteve inalterada essa parte do texto aprovado na Câmara. O relatório voltará à agenda amanhã e poderá ser votado na CCJ.
Só a Cemig, que opera 45 reservatórios para a geração de energia elétrica, prevê passivo de R$ 1,5 bilhão. Os maiores gastos podem surgir nas usinas de Nova Ponte e de Volta Grande, na região do Triângulo Mineiro, segundo Ênio Marcus Brandão Fonseca, superintendente de gestão ambiental de geração e transmissão da Cemig.
"O novo código cria uma figura jurídica nova, que pode ter grande impacto negativo sobre uma situação consolidada. Alguns dos nossos reservatórios têm mais de 50 anos de existência", diz Fonseca. Ele lembra que já cabe ao poder público fiscalizar o estado das APPs, não importa quem seja o dono. Boa parte das áreas é usada hoje por clubes esportivos ou chácaras particulares. A mudança na legislação, acredita o superintendente da Cemig, "tem efeito antissocial e prejudica economicamente as empresas", sem gerar um único megawatt novo de eletricidade.
O Valor apurou que duas subsidiárias da Eletrobras - Furnas e Chesf - devem arcar com a maior parte do passivo, estimado em R$ 30 bilhões. Tractebel, Cesp, AES Tietê, Duke Energy e Copel também teriam que pagar uma conta bastante salgada. O restante do passivo cairia sobre operadoras de pequenas centrais hidrelétricas, principalmente no Sudeste.
A projeção do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico leva em conta um gasto de R$ 7 bilhões com a aquisição de terras no entorno de 130 grandes usinas e o isolamento das áreas. Também prevê o desembolso de R$ 15 bilhões com a indenização de 60 mil edificações, a um custo médio de R$ 250 mil cada. Por fim, calcula em R$ 8 bilhões o custo com outras nove pendências, como reassentamentos, demolição das edificações, elaboração de cadastros socioeconômicos e compra de terras residuais que se tornarem inviáveis economicamente. "Vai virar uma tremenda especulação imobiliária", afirma Vianna, do Fmase.
O texto do novo Código Florestal define como APPs as faixas de 15 metros nas áreas urbanas e de 30 metros nas áreas rurais em torno dos reservatórios, a partir da "cota máxima cheia", conceito que engloba inclusive a porção de terra coberta por alagamentos em períodos de chuva. Geralmente, o setor elétrico trabalha com o conceito de "cota máxima de operação", ou seja, quando 100% da capacidade regular do reservatório foi atingida e as comportas precisam ser abertas.
Argumentando que se trata de uma exigência inconstitucional, pois não havia barreiras legais à ocupação de entornos das hidrelétricas antes de 2001, o ex-ministro da Defesa e do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim foi contratado pelas empresas geradoras para emitir um parecer jurídico. Será o primeiro trabalho relevante de Jobim após sua saída do governo, há 40 dias.
Se a nova legislação for aprovada com o texto atualmente em discussão, criará algumas situações insólitas. Talvez a maior delas seja a necessidade de desapropriar mansões cujos terrenos dão para o Lago Paranoá, em Brasília, incluindo trechos da Península dos Ministros - endereço oficial de vários ministros de Estado - e algumas áreas de lazer do Palácio da Alvorada.
Concebido para suprir água e energia aos moradores da nova capital, o Paranoá foi criado em 1959 e pode gerar 30 MW, parcela ínfima do consumo do Distrito Federal. Mas a beira do lago foi ocupada por luxuosos clubes esportivos e mansões residenciais, com um dos metros quadrados mais caros do Brasil, principalmente no Lago Sul.
O levantamento do Fmase prevê gasto médio de R$ 5 milhões com cada indenização no Paranoá. É uma despesa com potencial para inviabilizar definitivamente a Companhia Energética de Brasília (CEB), estatal com dívida acumulada de R$ 877 milhões.
Represas como a Billings e a Guarapiranga, na zona de sul de São Paulo, passariam pela mesma situação. Elas têm boa parte de suas margens ocupadas por residências de baixa renda. O texto se refere a "reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público", estendendo o possível rombo para companhias de saneamento, como a Sabesp.
Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, a lei em tramitação tem dois efeitos negativos. "O primeiro é para a sociedade, já que estamos falando de áreas consolidadas e ocupadas legalmente, de pessoas que muitas vezes já foram impactadas na construção dos reservatórios", diz Sales.
O segundo é a possibilidade de onerar as contas de luz, pois tudo indica que as empresas geradoras vão buscar o ressarcimento do passivo. "É um custo novo e totalmente imprevisto para as concessionárias, que precisaria ser ressarcido pelos consumidores no futuro." (Valor Econômico)
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Às voltas com a indefinição que ronda o fim das concessões de usinas com 18 mil megawatts (MW) de capacidade, as principais empresas de geração de energia elétrica acenderam mais um sinal de alerta: o novo Código Florestal, em tramitação no Senado, pode criar um passivo de R$ 30 bilhões.O cálculo foi feito pelo Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase), com base nas exigências da nova legislação, já aprovada na Câmara dos Deputados. Esse valor supera todo o investimento previsto na construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, a obra em andamento mais cara do país.
O passivo tem origem na obrigatoriedade de "aquisição, desapropriação ou remuneração por restrição de uso" de toda a Área de Preservação Permanente, conhecida como APP, em torno dos reservatórios de hidrelétricas construídas antes de 2001. O texto remete ao "empreendedor" as despesas criadas com a nova lei.
Naquele ano, medida provisória assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso passou a exigir a compra ou a desapropriação, pelas geradoras, de toda a APP nos entornos dos reservatórios. Antes disso, poucas empresas tomaram a precaução de manter livres as terras em volta dos lagos responsáveis pela geração de energia.
As concessionárias de energia dizem que o trecho do Código Florestal com essas exigências entrou no relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) a menos de 24 horas da votação na Câmara, em maio, o que impediu a discussão do assunto. "Fomos surpreendidos na véspera. Nunca se havia falado nisso", afirma Luiz Fernando Vianna, coordenador do Fmase.
A Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia já fizeram reuniões com executivos do setor elétrico para debater a nova legislação. No entanto, o relatório apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado manteve inalterada essa parte do texto aprovado na Câmara. O relatório voltará à agenda amanhã e poderá ser votado na CCJ.
Só a Cemig, que opera 45 reservatórios para a geração de energia elétrica, prevê passivo de R$ 1,5 bilhão. Os maiores gastos podem surgir nas usinas de Nova Ponte e de Volta Grande, na região do Triângulo Mineiro, segundo Ênio Marcus Brandão Fonseca, superintendente de gestão ambiental de geração e transmissão da Cemig.
"O novo código cria uma figura jurídica nova, que pode ter grande impacto negativo sobre uma situação consolidada. Alguns dos nossos reservatórios têm mais de 50 anos de existência", diz Fonseca. Ele lembra que já cabe ao poder público fiscalizar o estado das APPs, não importa quem seja o dono. Boa parte das áreas é usada hoje por clubes esportivos ou chácaras particulares. A mudança na legislação, acredita o superintendente da Cemig, "tem efeito antissocial e prejudica economicamente as empresas", sem gerar um único megawatt novo de eletricidade.
O Valor apurou que duas subsidiárias da Eletrobras - Furnas e Chesf - devem arcar com a maior parte do passivo, estimado em R$ 30 bilhões. Tractebel, Cesp, AES Tietê, Duke Energy e Copel também teriam que pagar uma conta bastante salgada. O restante do passivo cairia sobre operadoras de pequenas centrais hidrelétricas, principalmente no Sudeste.
A projeção do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico leva em conta um gasto de R$ 7 bilhões com a aquisição de terras no entorno de 130 grandes usinas e o isolamento das áreas. Também prevê o desembolso de R$ 15 bilhões com a indenização de 60 mil edificações, a um custo médio de R$ 250 mil cada. Por fim, calcula em R$ 8 bilhões o custo com outras nove pendências, como reassentamentos, demolição das edificações, elaboração de cadastros socioeconômicos e compra de terras residuais que se tornarem inviáveis economicamente. "Vai virar uma tremenda especulação imobiliária", afirma Vianna, do Fmase.
O texto do novo Código Florestal define como APPs as faixas de 15 metros nas áreas urbanas e de 30 metros nas áreas rurais em torno dos reservatórios, a partir da "cota máxima cheia", conceito que engloba inclusive a porção de terra coberta por alagamentos em períodos de chuva. Geralmente, o setor elétrico trabalha com o conceito de "cota máxima de operação", ou seja, quando 100% da capacidade regular do reservatório foi atingida e as comportas precisam ser abertas.
Argumentando que se trata de uma exigência inconstitucional, pois não havia barreiras legais à ocupação de entornos das hidrelétricas antes de 2001, o ex-ministro da Defesa e do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim foi contratado pelas empresas geradoras para emitir um parecer jurídico. Será o primeiro trabalho relevante de Jobim após sua saída do governo, há 40 dias.
Se a nova legislação for aprovada com o texto atualmente em discussão, criará algumas situações insólitas. Talvez a maior delas seja a necessidade de desapropriar mansões cujos terrenos dão para o Lago Paranoá, em Brasília, incluindo trechos da Península dos Ministros - endereço oficial de vários ministros de Estado - e algumas áreas de lazer do Palácio da Alvorada.
Concebido para suprir água e energia aos moradores da nova capital, o Paranoá foi criado em 1959 e pode gerar 30 MW, parcela ínfima do consumo do Distrito Federal. Mas a beira do lago foi ocupada por luxuosos clubes esportivos e mansões residenciais, com um dos metros quadrados mais caros do Brasil, principalmente no Lago Sul.
O levantamento do Fmase prevê gasto médio de R$ 5 milhões com cada indenização no Paranoá. É uma despesa com potencial para inviabilizar definitivamente a Companhia Energética de Brasília (CEB), estatal com dívida acumulada de R$ 877 milhões.
Represas como a Billings e a Guarapiranga, na zona de sul de São Paulo, passariam pela mesma situação. Elas têm boa parte de suas margens ocupadas por residências de baixa renda. O texto se refere a "reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público", estendendo o possível rombo para companhias de saneamento, como a Sabesp.
Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, a lei em tramitação tem dois efeitos negativos. "O primeiro é para a sociedade, já que estamos falando de áreas consolidadas e ocupadas legalmente, de pessoas que muitas vezes já foram impactadas na construção dos reservatórios", diz Sales.
O segundo é a possibilidade de onerar as contas de luz, pois tudo indica que as empresas geradoras vão buscar o ressarcimento do passivo. "É um custo novo e totalmente imprevisto para as concessionárias, que precisaria ser ressarcido pelos consumidores no futuro." (Valor Econômico)
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