Em postagem anterior foram analisados os determinantes e as implicações do regime complementar de operação das termelétricas a gás natural no Brasil. Nessa postagem, será explorado um cenário de longo prazo para o papel das termelétricas a gás natural no Brasil. Para tanto, serão apresentadas as projeções da matriz de geração e do despacho de centrais termelétricas no horizonte 2030 construídas a partir de modelos desenvolvidos pelo Grupo de Economia da Energia (GEE).
Para projetar a evolução da capacidade instalada, foi considerado o balanço entre carga de eletricidade e garantia física das usinas. Partindo de um cenário de crescimento do PIB de 4,5% a.a., a análise econométrica indica que a demanda de eletricidade teria um aumento médio de 4,8% a.a.. Para compor a expansão de capacidade de geração que atenderia com segurança essa evolução do consumo[1], assumimos que as centrais incluídas no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2020 serão implementadas e utilizamos algumas hipóteses sobre as fontes de geração de eletricidade.
A hipótese central desse exercício é que a diretriz de política energética será a de privilegiar as fontes de geração renováveis e as usinas termelétricas servirão como ajuste para atender a necessidade de entrada de capacidade.
Nesse contexto, o potencial hidrelétrico remanescente é a variável determinante para definir a matriz de geração até 2030. Foi considerado um cenário que contempla apenas os aproveitamentos hidrelétricos que não apresentam interferência direta em parques e florestas nacionais e/ou com terras indígenas. Segundo o Plano 2030 da EPE, o potencial hidrelétrico remanescente que respeita essas restrições corresponde a 77 GW.
Consideramos que, após o acidente de Fukushima, a expansão da capacidade de geração nuclear será limitada à construção de três novas centrais até 2030, de 1300 MW cada uma[2]. Esse é o cenário de menor adição de nucleares do Plano 2030.
Conforme indicam os últimos leilões de expansão, as fontes alternativas, principalmente a eólica, terão participação crescente na matriz de geração brasileira. No entanto, a expansão de fontes alternativas (bagaço, eólica e pequenas centrais hidrelétricas) encontra um limite em sua intermitência. Até 2030, a expansão de capacidade dessas fontes somaria 21,5 GW.
Apesar da elevada participação nos primeiros leilões de energia nova, assumimos que termelétricas a carvão e a óleo devem ter papel limitado nos leilões futuros. Essas fontes foram vitoriosas nos momentos em que as fontes mais competitivas enfrentavam restrições devido ao atraso no licenciamento ambiental (hidrelétricas) e de disponibilidade de combustível (termelétricas a gás natural). Na medida em que essas restrições são superadas, consideramos que somente 4 GW de termelétricas a carvão e óleo serão implantados entre 2020 e 2030.
A tendência de maior disponibilidade de gás natural no Brasil a partir das recentes descobertas no pré-sal justifica o papel do energético para preencher o intervalo entre crescimento da carga de eletricidade e expansão das fontes renováveis. Ainda que o PDE não considere expansão significativa dessas centrais até 2020, nossas projeções apontam que a situação deve se alterar nos 10 anos seguintes. Entre 2020 e 2030, 41,5 GW de capacidade termelétrica a gás natural entrariam em operação. Assim, a capacidade termelétrica a gás natural saltaria de 9 GW atuais para 55 GW em 2030, quando representaria 19% da capacidade instalada total.
Se as termelétricas são utilizadas em plena capacidade, o consumo de gás natural corresponderia a 72 MM m3/dia no final de 2020 e 243 MM m3/dia em 2030 (figura 2). Assim, a infraestrutura de suprimento de gás natural deveria se ampliar fortemente até 2030 para permitir a expansão de capacidade de geração dessas centrais.
A operação não frequente das centrais termelétricas a gás foi uma barreira para o desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil. A taxa histórica de utilização das termelétricas a gás no Brasil é de 25%, sendo insuficiente para remunerar a infra-estrutura de suprimento de gás natural. A taxa de utilização deve ser ampliada no futuro em função da diminuição da capacidade de armazanegem de energia nos reservatórios[3], fruto das novas hidrelétricas brasileiras não contarem com reservatórios significativos.
No entanto, as simulações do GEE, que consideram o regime vigente de despacho do sistema elétrico brasileiro (figura 3), indicam que o fator de utilização das termelétricos continuará baixo, cerca de 40%. Em 2030, o consumo esperado de gás natural seria de 95 milhões de m3/dia. Dessa forma, o intervalo entre consumo máximo, que define a necessidade de infra-estrutura, e médio, que define a utilização esperada de gás, seria de 148 milhões de m3/dia.
Atualmente, a forma de conferir flexibilidade de oferta de gás para atender as termelétricas é através da implantação de terminais de GNL[4]. No entanto, não é factível que esse volume de flexibilidade projetado para 2030 seja atendido através de importação de GNL. Tampouco parece adequada a possibilidade de implantar plantas de segmentos que consumem intensamente gás natural, como o de fertilizantes, para orientar o combustível que não é consumido pelas térmelétricas. Assim, seriam desenvolvidas atividades muito intensivas em capital que funcionariam complementarmente em um contexto de taxa de desconto elevada, combinação que compromete qualquer fluxo de caixa.
A opção mais vantajosa para o desenvolvimento da indústria de gás natural seria a utilização de gás natural doméstico, produzido no pré-sal, nas termelétricas, ancorando a implantação de infraestrutrura e estimulando outros usos. No entanto, para essa alternativa se viabilizar é fundamental que o regime de operação das centrais termelétricas seja modificado, ampliando seu fator de utilização.
[1] Foi considerada uma folga de 5% entre garantia física e carga.
[2] Angra III já é contemplada no PDE 2020 e, portanto, não faz parte desse cálculo.
[3] A razão entre capacidade de armazenagem de água e carga mensal no sistema integrado nacional (SIN) caiu de seis para cinco nos últimos dez anos e deve cair para quatro até o final da década.
[4] Uma das opções para o escoamento do gás do pré-sal é através de terminais de liquefação offshore (floating LNG). Nesse caso, a utilização GNL para atender a demanda de termelétricas teria outra racionalidade e seria bastante adequada. Artigo de Luciano Losekann. (Infopetro)
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