Artigo: por José Aníbal é economista, secretário de Energia de São Paulo e presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Energia.
Não são poucos e nem simples os desafios do setor energético brasileiro. De acordo com o último Plano Decenal de Energia (PDE), elaborado pelo Governo Federal, o Brasil vai precisar de 68 mil MW novos de eletricidade para atender ao aumento do consumo per capita e à expansão da economia nesta década. Ou seja, em dez anos, teremos que disponibilizar mais da metade da potência instalada nos últimos 100 anos.
Não bastasse a necessidade de aumentar a capacidade de investimento do país, é preciso também reduzir o custo final da energia. Enquanto um megawatt-hora custa em média US$ 70 nos EUA, no Brasil ele não sai por menos de US$ 180. Juntos, encargos setoriais e tributários são responsáveis por quase 40% da tarifa final. E ainda há disparidades regionais na partição do custo sistêmico, o que atrapalha a atração de investimentos em determinados estados.
Por outro lado, a imprevisibilidade dos leilões de energia, tanto pelos constantes adiamentos quanto pelo desequilíbrio das fontes energéticas ofertadas, prejudicam as estratégias de desenvolvimento dos gestores públicos e o ambiente de negócios para os investidores privados. No caso das térmicas, resta ainda desatar o nó dos licenciamentos ambientais, para que sejam rigorosos e, ao mesmo tempo, eficientes. É preciso também discutir a renovação das concessões das hidrelétricas. Caso o governo federal continue protelando uma definição, as empresas estarão sujeitas a depreciações desnecessárias nas bolsas de valores.
Como se vê, há todo um emaranhado de questões para desembaralhar. Com o pré-sal, por exemplo, não apenas a decisão sobre os royalties ficou em aberto, mas estão paralisados tanto as atividades exploratórias como os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Menos de 10% das nossas bacias sedimentares com propensão a ter petróleo foram exploradas até agora. No caso do gás, a falta de critérios mais transparentes na elaboração do preço final lança inquietações sobre um parque industrial que segue investindo na expansão da capacidade instalada.
Também precisa ser debatida a desburocratização da outorga de pequenas centrais hidrelétricas. Nada justifica que a construção de pequenas barragens geradoras de energia precise necessariamente tramitar e ser aprovada por Brasília. Elas têm baixíssimo impacto ambiental e um extraordinário efeito dinamizador nas economias comunitárias que passam a atender. Um bom aproveitamento do potencial em PCH"s que nos resta é fundamental para aumentar nossa segurança energética.
Ademais, a correlação entre baixa competitividade econômica e práticas danosas ao meio ambiente colocaram a diversificação da matriz energética e a substituição gradativa das fontes tradicionais por alternativas limpas e renováveis na ordem do dia no mundo inteiro. Não foi por outro motivo que Barack Obama veio ao Brasil discutir comércio e energia, e não segurança, como era esperado. A manutenção do desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental dependem da capacidade de inovação.
O Fórum Nacional dos Secretários para Assuntos de Energia (FNSE) se reuniu no Rio de Janeiro na primeira semana de maio. Mesmo com a diversidade das regiões, das realidades locais e dos governos estaduais que formam o grupo, foi unânime a ideia de que as complexidades do setor energético não serão devidamente equacionadas sem considerar as potencialidades e os desafios de cada ente federativo. O diagnóstico foi claro: é hora de construir uma agenda estruturante e inclusiva.
Os Estados querem participar do planejamento energético e também de certas decisões, e assim dividir responsabilidades com o governo federal. Por exemplo, os Estados devem ter mais autonomia para fiscalizar a qualidade e a confiabilidade dos serviços prestados pelas concessionárias. Hoje, a atribuição está centralizada na agência reguladora (Aneel). Também falta levar adiante o compromisso de abrir escritórios regionais da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Com eles, teríamos um planejamento mais preciso e efetivo.
O FNSE também entende que as comissões de Infraestrutura do Senado e de Minas e Energia da Câmara dos Deputados devem participar dos diálogos em torno da estruturação da política energética. Não seria apenas saudável construir uma relação mais republicana, como também os interesses setoriais e a sociedade civil estariam representados de forma mais ampla.
Outras tantas discussões poderiam ser enriquecidas com mais participação e diálogo. Por exemplo, um debate nacional e justo em torno de uma desoneração tributária universal; a expansão de um Plano Nacional de Eficiência Energética; a prorrogação do programa "Luz para Todos" para estados onde ainda restam manchas sem atendimento; a construção conjunta de um arcabouço regulatório-normativo para que a cadeia do pré-sal não exclua os estados não litorâneos da dinamização econômica etc.
O momento de dar o salto tecnológico em direção às fontes alternativas é agora. Os insumos necessários para gerar energia limpa e renovável são abundantes e bem distribuídos pelo Brasil. Falta fazer com que as alternativas sejam efetivamente vantajosas. Por exemplo, levando a infraestrutura de transmissão aos parques eólicos e às usinas de biomassa. Ou fortalecendo o mercado de biocombustíveis. Se não descuidar da pesquisa em tecnologia e inovação, o Brasil tem tudo para tornar-se um exportador de soluções em energia limpa.
O Fórum de secretários de energia é um espaço privilegiado para articular soluções e construir alternativas. A acuidade na percepção das realidades locais, a adição de massa crítica e a abertura a um diálogo construtivo certamente contribuirão para a evolução do nosso sistema energético. Afinal, não se trata apenas de agir de forma republicana. O que está em jogo é a saúde econômica do país, o fluxo de investimentos e a qualidade de vida das pessoas. Autor: José Aníbal é economista, secretário de Energia de São Paulo e presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Energia. (Valor Econômico)
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