O recente debate sobre a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia começou a levantar a cortina de silêncio que tem mantido a opinião pública ignorante acerca das razões e consequências da política do setor elétrico. Começam a pairar dúvidas quanto à opção inaugurada com Tucuruí, no regime militar, pelo nada saudoso ministro de Minas e Energia Shigeaki Ueki, que começou a fazer da Amazônia uma fonte de energia para indústrias eletrointensivas exportadoras (alumínio, sobretudo).
Será de fato a hidreletricidade, como divulgam os arautos do modelo elétrico brasileiro, uma energia limpa e barata? Necessitamos de muito mais informação e discussão, como recentemente voltaram a cobrar Miriam Leitão (O GLOBO) e Washington Novaes ("Estado de S. Paulo"). Inclusive porque, como advertiu o procurador da República no Pará, Felício Ponter Jr, "o setor elétrico no país é uma das maiores caixas-pretas do governo" (O GLOBO, 8/01/2011).
A inundação de 5,3 mil km2 de florestas nos próximos dez anos, a transformação de nossos rios em escadas de lagos artificiais, a extinção de espécies fluviais de grande valor nutricional e econômico, tudo isso implica em altos custos, muitas vezes inestimáveis. Os desastres ambientais, porém, talvez sejam pequenos se comparados aos desastres sociais que se abatem sobre as populações afetadas. Estimase que foram cerca de um milhão os deslocados por barragens no país. Nos últimos 50 anos, sofreram com a destruição de suas vilas, cidades, cemitérios e igrejas. Cultivos e criações foram inviabilizados.
As reparações foram quase sempre insuficientes para que recomeçassem suas vidas - isto quando receberam alguma coisa. E um capítulo à parte deveria ser consagrado à dramática situação a que têm sido levados grupos indígenas, cujos territórios, meios e modos de vida são sacrificados no altar de um desenvolvimento que não lhes reserva qualquer lugar.
Novas informações são agora colocadas à disposição do público pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que vem de aprovar relatório elaborado por Comissão Especial que examinou denúncias de violações de direitos humanos no planejamento, implantação e operação de barragens.
As conclusões do relatório são graves: "Os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual."
Longo e variado é rol de direitos violados por empreiteiras, empresas energéticas públicas e privadas e órgãos governamentais: direito à informação e à participação, direito à liberdade de reunião, associação e expressão; direito ao trabalho; direito à moradia adequada; direito à educação; direito a um ambiente saudável e à saúde; direito à plena reparação das perdas; direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais. Populações indígenas, idosos, mulheres chefes de família, crianças são os que pagam o preço mais alto.
O CDDPH vai além do diagnóstico e alinha quase cem recomendações para reparar a enorme dívida social contraída com as populações atingidas e prevenir novas violações no futuro. Uma destas recomendações já foi adotada, com a instituição do cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica (Decreto-lei n o- 7.342, 26/10/2010). É ainda pouco, mas o relatório e o decreto são passos na direção certa.
Agora há que exigir do setor elétrico, da Aneel, do MME e do MMA, que as novas barragens, o novo Plano Decenal de Energia e o Plano Nacional de Energia incorporem as recomendações do CDDPH. E que energia e barragens deixem de ser sinônimos de violações de direitos humanos. Autor: Carlos Vainer é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (O Globo)
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