Ao iniciar o primeiro mandato do governo Lula, o setor elétrico estava em situação crítica sendo clara a necessidade de reformas. O país havia passado por um racionamento que foi um dos fatores que contribuiu para sua eleição. Um ano após a posse, o novo modelo setorial foi implementado.
O Estado passou a ter um papel mais ativo no planejamento setorial, através da criação de novas instituições (EPE e CMSE) e da realização de leilões públicos para a comercialização de eletricidade.
Hoje podemos considerar que o modelo está consolidado. Mais de uma dezena de leilões para aquisição de energia de novas centrais foram realizados desde 2004, assegurando o equilíbrio entre oferta e demanda.
Desta forma, o mandato de Dilma irá se iniciar em um contexto bem menos turbulento. Ainda que uma nova reformulação institucional como a de 2003/2004 não seja necessária, desafios significativos deverão ser enfrentados no setor elétrico. Esse artigo busca elencar esses desafios.
1 – A primeira questão a ser enfrentada pelo novo governo é o encaminhamento das concessões que se encerram nos próximos anos. Cerca de 1/5 da capacidade instalada de geração e 1/3 das distribuidoras terão sua concessão finalizada até 2015. Essa é uma questão muito sensível e sua solução tem sido postergada. Por um lado, a re-licitação competitiva poderia trazer benefícios para a sociedade na forma de arrecadação ou menores tarifas. Por outro, a renovação das concessões evitaria um caos no setor.
Dependendo dos resultados das licitações, algumas empresas poderiam ficar praticamente sem ativos. Como a maior parte das empresas afetadas é estatal, é difícil supor que perderão suas concessões. A saída mais provável é a renovação onerosa, mas é preciso definir as bases em que essa será efetuada (duração e valores).
2 – Uma questão muito relacionada ao encerramento das concessões é o vencimento dos contratos de energia velha a partir de 2013. Em 2004, quando a maior parte da energia velha foi negociada, o contexto era de sobre-oferta de eletricidade e a energia velha foi negociada em separado da energia nova a preços baixos, fato que foi fundamental para evitar a disparada dos preços de eletricidade com sua convergência aos preços da energia de novas usinas. Como parte relevante da energia velha é proveniente de centrais que terão suas concessões encerradas até 2015, a solução das concessões é uma condição necessária para a renegociação da energia velha e o preço nos novos contratos certamente irá refletir as condições de renovação das concessões.
3 – Outro ponto fundamental que irá marcar a evolução do setor elétrico nos próximos anos é sua relação com a indústria de gás natural. Como foi abordada em artigo postado nesse blog, a integração entre as duas indústrias é truncada. O papel complementar da geração termelétrica que implica em despacho não freqüente dessas centrais não satisfaz as condições para o desenvolvimento da indústria de gás natural no Brasil. A subutilização da infra-estrutura estimulou o deslocamento do gás para outros mercados, comprometendo a segurança do abastecimento elétrico. Com a adição dos problemas com a Bolívia, as centrais a gás natural foram preteridas pelo planejamento do setor elétrico. A nova conjuntura do gás natural no Brasil indica para excedentes que tendem a se elevar no longo prazo com a descoberta de novas reservas domésticas. Entretanto, para que as centrais a gás tenham um “renascimento” na matriz de geração elétrica é necessária a mudança no regime de utilização dessas centrais.
4 – Um tema que também terá impacto sobre o regime de despacho das centrais é a redução progressiva da relevância da capacidade de armazenagem de água nos reservatórios hidrelétricos. Em função de restrições ambientais e de características geográficas, as novas centrais hidrelétricas que dominarão a expansão nos próximos anos, como as centrais do Rio Madeira e Belo Monte, não contarão com reservatórios. Segundo dados do ONS, a razão entre capacidade de armazenagem e carga caiu de 6 para 5 nos últimos dez anos e deverá cair para 4 no fim da década. A capacidade de armazenar energia particulariza a coordenação do sistema elétrico no Brasil. Diminuindo a armazenagem em termos relativos, o despacho de centrais termelétricas se torna mais freqüente. Outro fator que deve tornar mais complexa a coordenação da operação é a entrada de centrais com restrições operacionais significativas, como centrais a bagaço de cana e eólicas, que são condicionadas, respectivamente, pela colheita e pela incidência de ventos.
5 – Outro desafio é a metodologia de programação da operação. O despacho de centrais por razão de segurança, fora da ordem de mérito definida pelos programas que deveriam orientar a operação, tem sido sistemático nos últimos anos. Além de problemas de credibilidade, isso tem efeitos sobre a formação do preço de curto-prazo (PLD – Preço de Liquidação de Diferenças). O PLD, que não é afetado pelo despacho por segurança, não reflete o custo marginal de operação, comprometendo a eficiência econômica.
6 – As restrições enfrentadas por fontes mais competitivas acarretaram numa participação exagerada de centrais a óleo nos leilões de expansão. Segundo os dados da EPE, essas centrais somarão capacidade de 10 GW em 2013. Além dos efeitos ambientais negativos, nesse volume, essas centrais não são adequadas para as características do sistema elétrico brasileiro. Em situação de incidência hidrológica adversa, essas centrais com elevados custos operacionais podem ser utilizadas por períodos longos, encarecendo a energia ao consumidor final.
7 – A elevada incidência de impostos e encargos na tarifa de eletricidade no Brasil é outro problema a ser enfrentado. Hoje, representam mais da metade do preço final da eletricidade. Considerando que a eletricidade é um bem essencial para a população e presente na quase totalidade dos processos produtivos, compromete-se a distribuição de renda (ainda que sejam adotadas tarifas sociais) e a competitividade dos produtos brasileiros.
8 – Outro ponto crítico é o tratamento do mercado livre. As medidas do modelo implantado em 2004 foram orientadas para o mercado regulado e cerca de ¼ do consumo de eletricidade não é contemplado. Se por um lado, por contar com maior liberdade contratual, o consumidor livre pode se beneficiar das condições do mercado de curto prazo. Por outro, as novas usinas hidrelétricas, que são as mais competitivas, devem priorizar o mercado regulado, dedicando ao menos 70% da capacidade para esse fim.
Essa não é uma agenda simples, mas esses problemas devem ser atacados para aprimorar o modelo institucional adotado em 2004, contribuindo para que seus principais objetivos, segurança do abastecimento e modicidade tarifária, sejam alcançados. Por Luciano Losekann (Infopetro)
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