“A sociedade moderna depende cada vez mais de um elevado consumo energético para sua subsistência e evolução. Por isso a energia é uma questão estratégica para qualquer país, pois desta dependem o crescimento produtivo e econômico”, escreve André Ribeiro Lins de Albuquerque.
Deste modo, para garantir a sustentabilidade e viabilidade dos processos produtivos, foram sendo desenvolvidas ao longo do tempo, diversas tecnologias para obtenção de energia a partir de fontes renováveis, bem como formas de transporte e armazenamento. A partir de fontes renováveis citam-se: os sistemas fotovoltaicos, os aerogeradores, as hidrelétricas, a combustão da biomassa, dentre outros. No transporte podem-se citar as linhas de transmissão. Já no armazenamento, tem-se a energia potencial das águas em barragens, acumulo de materiais (combustíveis) com alto poder calorífico como óleo, gás, capim elefante, bagaço e hidrogênio.
Atualmente a matriz energética brasileira apresenta uma considerável vantagem competitiva, na qual a participação de fontes renováveis (48%) é três vezes superior à média mundial. Especificadamente no setor elétrico brasileiro, como se sabe, o abastecido preponderantemente é pela geração hídrica. Do total de energia elétrica ofertada durante o ano, aproximadamente de 506 TWh, a energia hidráulica é responsável por cerca de 76,9% da carga elétrica total (EPE, 2010). É uma participação significativa e com certo nível de risco de abastecimento, sobretudo quando se leva em conta a irregularidade das chuvas, concentradas no verão e início de outono, entre dezembro e abril.
É por isso que serão cada vez mais necessários recursos alternativos de geração de energia, principalmente durante os períodos secos. Essa nova característica do sistema elétrico brasileiro indica a rápida transição para um sistema hidrotérmico (UNICA, 2009).
A forma mais simples de efetivar essa transição seria acionar as geradoras termoelétricas nos meses secos. Entretanto, esta alternativa apresenta um custo elevado, além de geralmente utilizar como matérias-primas combustíveis fósseis e poluentes. É aí que, como complemento à energia de origem hídrica, entra a alternativa da biomassa da cana-de-açúcar, que é nada mais do que o conhecido bagaço, além da palha. Atualmente o Brasil gera anualmente aproximadamente 27 TW.h de energia elétrica proveniente de biomassa em geral, ou seja, 5.4% do total (EPE, 2010). Número ainda muito tímido frente a todo o seu potencial.
A bioeletricidade tem diversas vantagens, além de ser sabidamente limpa e renovável, é em grande parte gerada perto dos maiores centros de demanda por energia elétrica. Mas, igualmente importante e estratégico é o fato de se complementar à hidrologia em termos sazonais: o maior potencial de eletricidade da biomassa da cana-de-açúcar é concentrado entre os meses de abril a novembro, exatamente no período de maior estiagem.
As usinas sucroalcooleiras sempre contaram com uma grande vantagem competitiva. O custo energético para a produção de açúcar e etanol, na grande maioria das vezes, tem sido praticamente inexistente. Isso porque o bagaço é utilizado como combustível em caldeiras para produção de vapor em diferentes níveis de pressão, oferecendo energia térmica e mecânica necessária ao processo de produção de açúcar e etanol.
Como a energia era até então barata e suficiente para tocar os processos, nunca houve a preocupação em prestar conta do seu consumo. Porém, esse cenário começou a mudar a partir da década de 90 (Leis 8987/95 e 9074/95) e ficou ainda mais intenso em meados de 2006, com a regulamentação que autoriza e incentiva a produção e comercialização da bioeletricidade por meio da cogeração de energia, viabilizando a aquisição do excedente de eletricidade das usinas, agora chamadas sucroenergéticas, pelas concessionárias.
Apesar das dificuldades enfrentadas dentro dos leilões de bioletricidade, essa possibilidade de exportar energia elétrica tem levado as usinas sucroenergéticas a aprimorar suas tecnologias de produção, no sentido de diminuir o consumo energético da planta e maximizar a eletricidade gerada. Segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética, a potência instalada até 2015 será comparável à da Usina Hidrelétrica de Itaipu, ou seja, de 14 GW.
Atualmente, com moagem de cana-de-açúcar inicialmente prevista de 600 milhões de toneladas, já seria possível ter uma capacidade instalada de 14 GW. Isso, caso todas as usinas em território nacional já estivessem cogerando energia com aproveitamento de 100% do bagaço e 25% da palha da cana-de-açúcar, utilizando ainda, caldeiras de alta pressão para geração de vapor e turbinas de contrapressão, condensação e extração.
O potencial atual deste mercado é de aproximadamente R$ 10 bilhões/ano, para valores praticados de R$ 150,00/MWh. Para valores diferentes de venda, basta aplicar a proporcionalidade para simular novos cenários do potencial do mercado de bioeletricidade, respeitando as limitações e condições impostas neste artigo. Nos dias atuais, do total de energia contida no bagaço e na palha utiliza-se menos do que 50%. O restante é perdido devido às ineficiências energéticas dos processos ou simplesmente não utilizado.
A inserção de mudanças tecnológicas ao processo produtivo traz consigo mudanças no balanço energético global da planta. Uma destas mudanças em potencial é a adoção da cogeração de ciclo combinado a partir do uso do bagaço e da palha da cana como combustíveis (gaseificação da biomassa). Outra significante oportunidade é a obtenção do biogás a partir da biodigestão da vinhaça. Algumas usinas, através de melhorias já implantadas em seus processos, tais como: controles avançados de processos, homogeneização da demanda de vapor pela fábrica, integração energética, simuladores de processos sucroenergéticos, gestão da eficiência energética, eletrificação das moendas ou utilização de difusores, minimização das harmônicas e do fator de potência nos sinais elétricos, têm obtido sobras significativas de bagaço que, direcionadas à geração de energia incrementaram os excedentes de energia elétrica.
O Brasil tem tudo para ter uma cadeia energética cada vez mais sustentável. Não somente pela utilização de biocombustíveis, mas também, pela otimização da geração de bioeletricidade, pois esta se encontra em um estágio inicial de crescimento e desenvolvimento tecnológico.
Algumas iniciativas encontradas, como na Usina Santa Cruz, sinalizam que a busca pela otimização e excelência operacional já se iniciou. À medida que as boas práticas começarem a ficar estabelecidas no mercado, a busca pelo aproveitamento máximo da energia contida na biomassa da cana-de-açúcar vai fazer parte da gestão da rotina operacional da maioria das usinas em território nacional. O desafio está lançado! (Ambiente Energia - Autor: André Ribeiro Lins de Albuquerque, Phd e diretor da Pentagro Soluções Tecnológicas, de São Carlos)
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