quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Setor elétrico: Modelo em xeque

O “jeitinho” brasileiro resolve tudo. Essa é a impressão deixada pela proposta em estudo pela Aneel de suspender temporariamente os contratos entre distribuidoras sobrecontratadas e usinas atrasadas da Bertin que já deveriam estar em operação. Apesar de atender os dois lados, a medida é criticada por CCEE, comercializadoras e geradoras, além de expor imperfeições no arcabouço regulatório do setor elétrico brasileiro.

Se a proposta for aprovada pela Aneel – o que pode ocorrer já este mês – as distribuidoras com interesse nela poderão negociar diretamente com a Bertin a suspensão temporária dos contratos. Um levantamento feito pela Abradee revela que 27 distribuidoras estariam interessadas no acordo, o qual poderia envolver a suspensão de 104,13 MW médios, de outubro a dezembro de 2011, e 230,85 MW médios, de janeiro a setembro de 2012.

Para essas distribuidoras, a negociação cairá como uma luva, já que elas estão sobrecontratadas devido à diminuição do ritmo de crescimento da economia e à migração de consumidores especiais para o ambiente livre. “Algumas distribuidoras estão sobrecontratadas em 20%”, destaca o presidente da Abradee, Nelson Leite. A medida também dará fôlego à complicada Bertin, que hoje precisa comprar no mercado livre lastro para cobrir a energia não produzida por suas térmicas.

Relator do processo na Aneel, o diretor Julião Coelho acredita num desfecho rápido para o assunto. “O que posso garantir é que não haverá nenhuma repercussão negativa sobre o consumidor”, afirma.

Falhas no modelo -  Se por um lado a proposta resolve o problema atual, por outro expõe uma imperfeição no modelo regulatório. Caso as usinas da Bertin estivessem em operação, os acionistas das distribuidoras seriam obrigados a arcar com o “erro” da previsão da demanda, feita com cinco anos de antecedência.

Pelo modelo atual, as concessionárias de distribuição só podem repassar para a tarifa até 103% de sua demanda comprovada. Qualquer demanda declarada acima desse valor deve ser arcada pela própria distribuidora. O problema é que, quando elas entregaram a previsão de mercado para 2011 e 2012, cinco anos antes, o mercado em geral ainda não sonhava com a crise.De acordo com Leite, as distribuidoras não deveriam estar expostas ao risco de sobrecontratação, já que a compra da energia tem efeito neutro para as empresas. Por outro lado, a margem de 3% seria insuficiente em situações adversas.

O diretor da Aneel, porém, lembra que essa é a regra do jogo. “O risco da demanda é da distribuidora. Ela pode ganhar ou perder com a variação da demanda. Se a demanda se realiza acima do esperado, ela tem uma receita superior àquela estimada pela agência quando calculou a tarifa. Quando ocorre o inverso, o ônus é dela.”

Migração - A migração para o ambiente livre dos consumidores especiais – aqueles com demanda entre 500 kW e 3 MW que compram energia de fontes alternativas – também afetou as distribuidoras. Para 2012, há previsão de crescimento de até 60%, em relação a 2011, em algumas concessionárias, do volume de energia relativa a consumidores especiais que migrarão para o ambiente livre.
Nesse caso, existe um vácuo regulatório, pois a distribuidora não tem como se defender – o Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits cobre um volume muito pequeno de energia e nos leilões de ajuste as distribuidoras apenas conseguem comprar. A alegação de “exposição involuntária”, que permite repassar os custos da energia para o consumidor, só pode ser aplicada no caso inverso, em que o consumidor especial retorna ao mercado da distribuidora.
“Talvez um caminho seja dar o mesmo tratamento que é dado para a saída do grande consumidor livre, que viabiliza a redução do CCEAR”, sugere Coelho. O assunto estaria sendo analisado pelo secretário-executivo do MME, Márcio Zimmermann.

Desrespeito às regras - Apesar de ter a simpatia da Aneel e contar com o apoio das distribuidoras e da Bertin, a proposta de suspensão temporária de contratos está sendo bombardeada no setor. “Não se pode permitir que questões relacionadas a interesses específicos de distribuidoras e de geradores se sobreponham a uma estruturação definida anteriormente para o modelo de contratação regulada e que fundamenta a expansão da geração”, diz o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Luiz Eduardo Barata, em documento enviado à Aneel.

Do mesmo lado da CCEE, está a maioria das comercializadoras e geradoras, que acham que a dispensa de a Bertin comprar lastro no mercado prejudica empresas que constituíram reserva de garantia física de olho na venda desse lastro.

Em nota enviada pela AES Tietê à Aneel, a empresa diz que a proposta significa “uma perda de oportunidade de comercialização”.
Outro ponto, levantado pela Tractebel, aponta prejuízo aos demais participantes dos leilões vencidos pelas térmicas da Bertin. Isso porque eles não tiveram êxito nas concorrências justamente por terem incluído nos preços os riscos relativos a possíveis atrasos na entrada em operação comercial.

A medida aprovada para a Bertin pode abrir precedentes para outras empresas. A Geranorte, por exemplo, apesar de ter suas usinas operando conforme o cronograma, compra sucessivamente 5,5 MW médios no mercado livre de lastro para compor o contrato firmado em 2007 com as distribuidoras. A empresa negocia a redução de CCEAR firmado com a Light e a Cemar. (Revista Brasil Energia)
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