Brasília - Há pouco menos de dois anos na diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o mais jovem diretor a ocupar o cargo, sem ainda ter chegado aos 35 anos de idade, o advogado Julião Silveira Coelho tem posições fortes dentro da agência. Ele defende que as concessões do setor de distribuição que vencem a partir de 2015 possam ser prorrogadas sob a condição de que a agência faça a análise, com base em critérios de qualidade e capacidade econômica-financeira, de quais empresas estão aptas a continuar prestando serviço. As concessões não-renovadas sob esses critérios seriam relicitadas.
Das 63 distribuidoras que operam no país, 42 têm suas concessões vencendo em 2015. Nesta entrevista ao Valor, o diretor defende ainda que empresas estatais possam ser privatizadas sob as regras da lei das privatizações. Com isso, os novos donos teriam direito de permanecer com a concessão por mais 30 anos. Julião, como é mais conhecido, já foi procurador da Aneel e era dono de um escritório de advocacia antes de assumir o cargo na agência, a convite pessoal do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Leia a seguir trechos da entrevista:
Valor: Qual a tua opinião sobre a questão do fim das concessões? O que deve acontecer para os diferentes setores: distribuição, geração e transmissão?
Julião Coelho: Os ativos de geração e transmissão deveriam ser licitados. E o modelo atual já tem todos os mecanismos para que se faça isso. Em transmissão, seria pela menor receita anual, com estabelecimento de uma receita-teto. Geração a mesma coisa, você tem os critérios hoje com preço-teto e quem oferece o menor valor para prestar a atividade sai vencedor. Na distribuição já é mais difícil, por toda a parte operacional. Para se fazer a transição de uma empresa para a outra é um desafio muito grande e talvez não seja adequado relicitar. O ideal seria permitir a prorrogação. Mas aí a lei não imporia e sim daria uma autorização para que prorrogações fossem feitas. Ficaria sob competência da Aneel, que é o órgão fiscalizador e regulador, avaliar a conveniência e o oportunidade para caso a caso se é melhor licitar ou prorrogar. Não se pode condenar o consumidor que tem um serviço ruim ficar mais 20 ou 30 anos com um serviço mal prestado.
Valor: Na prática seria uma privatização, já que a maior parte das distribuidoras que têm a concessão vencendo em 2015 são estatais?
Julião: Não chamaria de privatização porque isso implicaria a venda da companhia ou de seu controle acionário. Nesse caso não, a concessão chegou ao seu fim e um novo concessionário ou até o atual assume. Mas isso não se caracterizaria uma privatização.
Valor: Se os donos dessas estatais perceberem, se auto-avaliando, que não terão suas concessões renovadas, eles poderiam decidir privatizar antes disso acontecer?
Julião: Podem, porque tem uma previsão na Lei nº 9.648 que estabelece que em caso de privatização o novo controlador assine um novo contrato de concessão por 30 anos. Essa lei está vigente.
Valor: A Cesp, que é uma geradora e não distribuidora, também poderia fazer isso?
Julião: A Lei 9.648 permite. Ela não foi revogada. A Lei nº 10.848, que é a principal do novo modelo do setor elétrico, não é conflitante com a lei de privatização. Tanto não é, que não revogou esse dispositivo de forma expressa. Também não vejo revogação de forma tácita, uma vez que a Lei nº 10.848 cuidou de comercialização de energia e nada dispôs sobre privatização. Não há conflito entre as duas leis. E a 9.648 estabelece que o vencedor da privatização vai assinar um contrato de 30 anos.
Valor: Mas o ministério poderia se recusar a assinar a autorização?
Julião: A rigor não. Se a lei autoriza, o ministério não poderia impedir a aplicação da lei. Poderia revogá-la, mas não descumpri-la. No fundo, a decisão é sempre política. Mas hoje, pela legislação vigente, é possível privatizar.
Valor: E qual seria o papel da Aneel nesse processo?
Julião: Se a decisão de privatizar for tomada, a Aneel tem papel relevante nos leilões correspondentes. Mas também na análise da tomada dessa decisão, a Aneel poderia apresentar um diagnóstico de como estão hoje as estatais para avaliar se é ou não recomendado que se busque outro caminho. Mas essa seria uma fase anterior à tomada de decisão e chegaria na agência com diálogo com o poder concedente. Por iniciativa própria, a Aneel não faria isso.
Valor: Muitas empresas já estão sabidamente em dificuldades e inclusive processos correm na Aneel para se pedir a caducidade da concessão...
Julião: O processo de caducidade é sempre mais traumático. É a sanção mais grave que a agência pode aplicar. Na hipótese de se prorrogar ou não a concessão você não aplica penalidade alguma, você tão somente não prorroga determinada concessão. Essa análise seria obrigatória para todas as empresas.
Valor: A distribuidora teria direito à indenização?
Julião: Sim, caso haja investimentos não amortizados.
Valor: A qualidade da prestação do serviço seria o principal critério?
Julião: Uma vez tomada a decisão da prorrogação, a análise individual do caso concreto tem de ser feita por dois parâmetros: a qualidade e a saúde econômico-financeira para a continuidade de prestação dos serviços.
Valor: Seria levado em conta a capacidade que o controlador, um grupo privado, estatal ou diretamente os Estados, teria para capitalizar a concessionária? Ou se parte do pressuposto de que, se no período anterior o acionista já não fez isso, não fará novamente?
Julião: É natural que se uma empresa não apresenta capacidade financeira, a decisão seria de não se prorrogar. Mas o controlador poderia apresentar um plano de recuperação, que não seria vinculante, mas seria apenas mais um elemento para a análise final.
Valor: Isso não poderia gerar uma corrida ao Judiciário?
Julião: Não, porque você não tem o direito líquido e certo de prorrogação. Você tem uma expectativa de prorrogação. A lei autoriza que se prorrogue, não diz que automaticamente vai prorrogar. E teríamos critérios objetivos. Não seria dessa forma uma decisão pessoal. Não haveria espaço para protecionismo.
Valor: Seria uma saída política para governos que têm medo da opinião pública ao se fazer a privatização de suas distribuidoras?
Julião: Isso não é uma privatização. A concessão de uma determinada empresa chegou ao fim e então vai se buscar um novo concessionário. Então essa discussão, se é privatização ou não, se perde nesse processo.
Valor: Mesmo não sendo uma privatização, o controlador ganharia alguma coisa com isso?
Julião: Ao final da concessão, o dono tem que recuperar investimentos que não foram amortizados. A tendência é que se a qualidade é menor, os investimentos também foram menores, logo o valor a ser pago tende a ser menor.
Valor: Na sua avaliação, muitas distribuidoras teriam problemas para obter a renovação de suas concessões?
Julião: Muitas não, mas certamente há distribuidoras cujos serviços prestados não nos permitiria recomendar a prorrogação da concessão.
Valor: Os controladores atuais poderiam participar do processo de licitação?
Julião: Não tem resposta pronta para isso. Mas é intuitivo que a empresa que prestou mal o serviço não possa participar da nova licitação como gestora. Eventualmente, entretanto, poderia como ser minoritária de um consórcio comprador. (Valor Econômico)
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