quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Consumidor paga as perdas com "gatos"

O desperdício de energia no Brasil começa no caminho entre a fonte de geração e o consumo final. Além das perdas técnicas nas linhas de transmissão, que podem chegar a 10% em regiões nas quais as distâncias de distribuição são maiores, é significativo o prejuízo comercial em função do furto de energia, popularmente conhecido como "gato". Em alguns Estados, como o Amazonas, o problema atinge 40% da energia fornecida. No Sudeste, a média é de 2%, embora no Rio de Janeiro, o consumo irregular atinja 18%.

Os dados constam de um estudo da consultoria McKinsey, que entre janeiro de 2010 e julho deste ano visitou famílias em todas as regiões brasileiras para entender a lógica do problema. "As perdas comerciais no Brasil equivalem à geração de energia prevista para Belo Monte", revela o consultor Mathias Becker, coordenador do estudo.

Ampliar imagem - Em sua análise, "com a prática do furto não há incentivo à eficiência energética, porque o consumo não pesa na conta". Ele adverte que o resto do país acaba pagando a conta, que é cara, da energia indevidamente consumida. No boleto recebido mensalmente pelo consumidor nas demais regiões está embutido um encargo criado pelo governo para compensar os custos das perdas na Região Norte, a mais problemática.

"Gerida pelo Sistema Eletrobras desde o final da década de 1990, a taxa estava prevista para ser extinta em 2012, mas é possível que permaneça em vigor", informa Becker. "A situação chega ao ponto de consumidores que fazem a ligação clandestina usarem geladeiras abertas como ar condicionado", lamenta. "Como pode haver eficiência diante desse quadro?"

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) permite que as distribuidoras tenham um determinado nível de perdas. Acima do limite, que varia entre 0,9% e 13%, conforme a região, a concessionária deve arcar com os custos. "Investimentos para evitar o custo poderiam solucionar o problema do furto", afirma Becker. Neste caso, acrescenta ele, "o consumidor passaria a pagar a conta e o governo precisaria criar um mecanismo social capaz de garantir a capacidade de pagamento e evitar a inadimplência". Segundo o consultor, o consumo de energia representa entre 5% e 7% da renda familiar mensal das classes D e E.

O Programa Luz para Todos, do governo federal, investiu na expansão da rede elétrica para colocar no mapa grotões que antes viviam no escuro. "O abastecimento foi universalizado, mas muitas famílias não têm condições de pagar a conta", diz.

Com o aumento da demanda e o novo padrão de consumo das classes mais baixas, o foco dos investimentos tem se concentrado na expansão da rede e não no controle do furto. O retorno dos recursos investidos em equipamentos que inibem o "gato" é inferior a dois anos, podendo ser ainda mais rápido dependendo do custo das perdas. "O controle pode se pagar facilmente", assegura o consultor.

Além das perdas na distribuição, o desperdício atinge a produção industrial. Estima-se que entre 10% e 20% da energia que chega às fábricas é jogada fora. No caso de clientes comerciais, o percentual perdido chega a 40%. "Incentivos do governo, com retorno de investimentos em três anos, reduziriam drasticamente o problema", sugere o consultor Nelson Ferreira, também da Mckinsey. De acordo com ele, avanços foram conquistados desde a crise energética de 2001, mas "há muitas oportunidades para a redução do desperdício e auto-geração para menor dependência da rede elétrica". Ele calcula que, com medidas não muito complexas, o setor industrial poderia economizar o equivalente à geração da Usina Hidrelétrica de Jirau, em construção em Rondônia e ainda lucrar com a venda de energia no mercado. Entre os exemplos, a produção de papel e celulose, um dos setores que mais consomem energia, atingiu autosuficiência média de 30%. Em plantas industriais mais modernas, 90% da energia consumida é produzida internamente.

Uma das tecnologias promissoras é o uso de "licor negro", resíduo da produção de celulose que antes ia para estações de tratamento e que hoje é aproveitado energeticamente. "Uma fábrica que produz 1,5 milhão de toneladas gera 100 MW de energia para consumo próprio, mas poderia fornecer 200 MW, parte sendo comercializado para a rede elétrica, se houvesse incentivos para os investimentos", diz Afondo Moura, diretor da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel. Hoje as empresas do setor geram 800 MW, com meta de expandir até 1,6 milhão de MW até 2020. O Ministério da Ciência e Tecnologia, segundo Moura, está abrindo linhas de financiamento em inovação para nacionalizar tecnologia no setor. (Valor Econômico)


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