terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Taxas sobre minérios, petróleo e energia

Artigo:
A Constituição, ao criar o modelo federativo no Brasil, dividiu as atribuições de cada ente (União, Estados e município) de tal modo que algumas funções devem ser efetuadas privativamente por cada qual, e outras de forma concorrente ou comum. Desse modo, é competência privativa da União legislar sobre comércio exterior (art. 22, IX), porém é de competência comum a todos os entes federados cuidar da saúde e da assistência pública (art. 23, II). Trata-se de um federalismo de cooperação, onde todos os entes federados devem trabalhar em prol do bem comum (art. 23, pár. único), e não individualmente, no sistema concorrencial de "cada um por si".

Sob argumento de que se trata de competência comum a todos os entes federados, os Estados de Minas Gerais, Pará e Amapá criaram leis em 2011 visando cobrar taxas de fiscalização sobre a atividade minerária no âmbito de seus territórios. O Estado de Minas Gerais, por meio da Lei nº 19.976 pretende arrecadar R$ 500 milhões por ano. O Estado do Pará, com alíquotas maiores na Lei nº 7.591, de 2011, projeta arrecadação de R$ 800 milhões por ano; e o Estado do Amapá, com menor atividade minerária, planeja ver em seus cofres R$ 1,2 milhão anuais.

Esta novidade trará certamente muita repercussão no debate constitucional sobre a matéria: podem Estados e municípios criar taxas de fiscalização, baseadas no poder de polícia (art. 145, II, CF), sobre a exploração de minérios, petróleo e potenciais de energia elétrica?

O artigo constitucional onde os três Estados basearam sua legislação, o artigo 23, XI, contem o seguinte comando: "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios". É claro, portanto, que uma vez considerada constitucional a cobrança dessas taxas sobre a atividade mineral, poderão também ser criadas taxas semelhantes sobre a exploração de recursos hídricos. E o petróleo? Sabendo-se que petróleo é minério, e que sua inclusão dentre os bens da União é feita através da expressão "recursos minerais, inclusive do subsolo" (art. 20, IX), será uma singela operação interpretativa ampliar a esfera de incidência dessas taxas.

O pandemônio tributário brasileiro se ampliará em proporções gigantescas dentre Estados e municípios onde existe exploração de petróleo, minério e hidroenergia, que certamente instituirão superpostas taxas de fiscalização. Claro que isso não afastará a atividade e a cobrança de taxas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional do Petróleo (ANP), que já exercem o papel fiscalizador no âmbito federal. Ou seja, esses setores estratégicos, além dos tributos que já incidem sobre sua atividade, terão outras incidências estaduais e municipais, a pretexto da existência de um poder de polícia que podem exercer sobre estas atividades. E, aumentando os tributos, aumentará a carga fiscal sobre quem consome produtos que contenham energia elétrica, petróleo e minérios - ou seja, todos os habitantes desse país.

Estará correta a interpretação que permite a Estados e municípios instituir este tipo de taxas sobre as atividades de extração mineral e petrolífera e ouso de hidroenergia com base no artigo 23, XI acima transcrito? Entendo que não. O balão de ensaio das leis estaduais que criaram taxas de fiscalização sobre a atividade mineral não pode prosperar sob pena de passarmos a ter um federalismo fiscal de concorrência (todos cobram tudo sobre todas as atividades) e não o federalismo de cooperação criado pela Constituição de 1988 -- além de outras irregularidades.

A Constituição não pode ser lida aos pedaços, mas de modo sistemático. A atividade minerária possui as seguintes características na Constituição: É competência exclusiva da União legislar sobre a recursos minerais (art. 22, XII); os quais são de sua propriedade (art. 20, IX) sua exploração e a pesquisa são reguladas através de delegação da União (art. 176). Esta mesma estrutura constitucional existe para petróleo e energia elétrica. Ou seja, a competência privativa da União (art. 22, XII) não pode vir a ser deslocada em favor da competência comum repartida entre os entes federativos (art. 23). Haveria neste caso invasão da competência de um ente federativo por outro.

Observemos o que acontece em outra área: o meio ambiente. No caso ambiental verifica-se que os bens são bens de uso comum do povo (art. 225, CF), não há sobre eles nenhuma regra atinente ao regime jurídico de sua exploração (delegação) e a competência para legislar é concorrente (art. 24, VI, CF) ao mesmo tempo em que sua proteção encontra-se no âmbito de competência comum. São situações completamente diferentes do ponto de vista jurídico, mas que, ao leigo, podem parecer idênticas.

Logo, independentemente de outras irregularidades que existam na instituição dessas taxas por Minas, Pará e Amapá, entendo que a Constituição não contempla a interpretação extensiva que esses Estados atribuíram ao art. 23, XI, pois tal procedimento permitirá que setores estratégicos de nossa economia fiquem sujeitos à tributação por entes subnacionais, o que certamente influenciará nos preços dos bens produzidos, e que justamente por serem estratégicos a Constituição reservou à competência privativa da União. Tal norma, sobre competência comum, possibilita a criação de cadastros estaduais, a partir dos federais, visando a melhor ordenação territorial, porém sem que daí decorra a possibilidade de exercício de poder de polícia - e a cobrança de taxas que, ao fim e ao cabo, serão pagas por toda a população. Autor: Fernando Facury Scaff é professor da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Pará (licenciado), doutor em direito pela USP e sócio de Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro& Scaff - Advogados ( Valor Econômico)


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