Por Renato Queiroz
O vencimento das concessões do setor elétrico que atingirá diversos ativos a partir de 2015 é um tema estratégico e que merece um entendimento sob diversos ângulos. Duas visões opostas têm chamado a atenção. As análises apresentadas por entidades que representam a indústria como a FIESP e de especialistas através de Associações ou ONGs, como é o caso do ILUMINA – Instituto de desenvolvimento estratégico do setor energético. A grande controvérsia é se as concessões deverão ser prorrogadas ou licitadas. Esse debate tem motivado questionamentos a respeito do encaminhamento mais adequado para a questão do término das concessões.
Percebe-se que, para muitos, falta uma compreensão clara do problema. Afinal, quem não acompanhou os processos de reformas que ocorreram no complexo setor de energia elétrica nos últimos anos não entende com facilidade as avaliações tão controversas sobre o tema. Esse cenário tem motivado uma intensa discussão a respeito do encaminhamento mais adequado para a questão do término das concessões.
Nesse sentido, nesta postagem serão destacados alguns pontos sobre esse tema específico de forma a levar o leitor a tirar suas próprias conclusões. Tais considerações estão baseadas sobretudo nas análises já desenvolvidas e expressas nos documentos das entidades citadas acima.
O primeiro ponto é a respeito do instrumento legal que leva a esse debate. A Lei 9.074/1995 prevê que, ao término das concessões, os ativos revertam para a União, devendo necessariamente ser licitados, cabendo ainda ao antigo concessionário compensações por investimentos que não estejam completamente depreciados. Esse processo afetaria muitas instalações do setor elétrico. São 22 GW de capacidade instalada correspondendo a 11 GW médios; 73.000 km de linhas de transmissão em operação e cerca de 38 concessionárias de distribuição de energia que representam em torno de 30% do mercado de distribuição. O maior volume de energia assegurada das concessões de geração e a maior parcela das concessões de transmissão de energia elétrica pertencem às empresas estatais federais.
Há controvérsias sobre se essas instalações cujos prazos de concessões formais se encerram entre 2015 e 2017 estariam ou não totalmente amortizadas. Deduz-se das análises que, antes do marco legal de 1995, o prazo de concessão era estabelecido no ato da outorga e correspondia a um período determinado, podendo ou não ser prorrogável de acordo com a legislação. Porém o prazo de amortização não estava sob um período previamente fixado e dependia das taxas médias anuais de depreciação aplicáveis aos ativos voltados à exploração econômica das concessões e permissões estabelecidas pelo órgão regulador. Desse modo, certamente há do ponto de vista contábil investimentos não amortizados ao final do prazo de concessão, pois os prazos de concessão e de amortização podem não ser os mesmos.
Cabe observar que uma instalação de geração de energia elétrica tem vários componentes ou unidades de cadastro[1] para ficar em uma linguagem contábil do setor eletrico. Nos registros contábeis tais componentes são discriminados por tipo de fonte (hidráulica, termelétrica a gás, biomassa, etc.), de modo a facilitar a avaliação de vida útil econômica de cada um deles separadamente. Ora se a taxa de depreciação para cada componente de uma usina é diferente, os prazos de amortização serão também diferentes. Qual seria a metodologia para calcular a indenização de investimentos realizados e não amortizados ? Uma questão para esse “imbroglio”.
Desse modo, é possível identificar que há diferenças relevantes de entendimentos que podem alterar substancialmente os cálculos e as análises que estão sendo realizados.
Nesse ponto específico há uma informação interessante apresentada nos documentos do Instituto ILUMINA que pode enriquecer a análise do leitor. “ As concessões não eram outorgadas por empreendimentos, como agora, mas sim por trechos de rios ou por área geográfica. Não havia necessariamente uma sequência imediata entre ato de concessão, construção da obra e sua entrada em operação”. O exemplo é a usina de Xingó que teve um prazo de concessão de 50 anos a partir de outubro de 1945, decorrente da outorga à CHESF para aproveitamento progressivo do rio São Francisco em um trecho do rio em Alagoas. Assim, a concessão terminaria em 1995. Mas a data de início da construção foi em final de 1994, determinada pelos estudos de planejamento, na época, no âmbito do Ministério de Minas e Energia. O primeiro dos seus geradores só operou em final de 1994. Certamente outras usinas estão sob a mesma situação.
Quanto ao preço da energia elétrica no Brasil, ele realmente se encontra entre os mais caros no mundo. Por um lado há análises que apontam que tributos e encargos federais, estaduais, municipais e setoriais somados podem chegar a quase 50 % do valor total das tarifas de energia elétrica cobradas ao consumidor brasileiro. Tal fato é a causa das altas tarifas praticadas.
Por outro lado, destaca-se a percepção de alguns analistas que, mesmo sem considerar a carga tributária, a tarifa de eletricidade no Brasil estaria em patamares mais altos se comparada com outros países com um perfil de matriz energética similar. As planilhas de custos das distribuidoras de energia elétrica podem nos mostrar se a energia comprada está em patamares altos; se assim for, não são somente os impostos que oneram o consumidor. Ou seja fatores mais estruturais estariam afetando as tarifas.
A FIRJAN recentemente divulgou um estudo[2] sobre o valor da tarifa de energia elétrica para a indústria. Em um trecho do documento encontramos que “a tarifa média de 329,00 R$/MWh para a indústria no Brasil é mais do que 50% superior à média de 215,50 R$/MWh encontrada para um conjunto de 27 países do mundo, para os quais há dados disponíveis na Agência Internacional de Energia. O documento da FIRJAN também ressalta que “apenas a parte da tarifa referente aos custos de geração, transmissão e distribuição já é superior à tarifa final de energia dos três principais parceiros do comércio exterior brasileiro: China, Estados Unidos e Argentina”. O que a FIRJAN quer alertar é que não é somente a carga tributária a responsável pelos preços da energia elétrica.
O fato concreto é que modicidade tarifária é um termo muito usado no setor elétrico. Mas para o bolso dos consumidores e principalmente os do mercado cativo[3] o preço do kWh no final de cada mês é alto.
Por fim, vale analisar a afirmação de que licitando os ativos que terão seus prazos de concessão vencidos haverá significativa redução do valor da tarifa de energia eletrica. Isso não é fato. Haverá uma redução, mas o percentual será de menos de 7%. Segundo o MME, a geração no Brasil corresponde a 40% da tarifa. Como cerca de 20% da geração é que serão licitados teremos o resultado de 8% ( 20% de 40%) . Em adição como em termos médios a hidreletricidade responde por 80% da geração teremos um percentual máximo de redução de 6,4% ( 80% de 8). Ou seja se a energia for entregue de graça, essa é a redução máxima.
Há um leque de incertezas presentes. Ou as concessões irão reverter à União, juntamente com o ressarcimento aos atuais concessionários dos valores referentes aos investimentos realizados e ainda não amortizados e nesse caso a outorga de novas concessões será por meio de licitação. Ou haverá uma nova prorrogação aos contratos através de mudanças na atual legislação. O MME criou um grupo de trabalho que estuda as alternativas para tal situação.
O que parece mais realista e oportuno, nessa oportunidade, é o governo avaliar e discutir as melhores soluções para aprimorar o papel das estatais do setor eletrico como braços estratégicos da infraestrutura energética. Em adição, é um momento, também, do governo definir quais ações podem trazer benefícios significativos nos custos das contas de eletricidade das residências, das indústrias, de todos os consumidores.
A solução passa por um viés político com consequências estratégicas.
[1] Unidade de Cadastro – UC é a parcela dos bens integrantes do ativo imobilizado que deve ser registrada individualmente no cadastro da propriedade.
[2] “QUANTO CUSTA A ENERGIA ELÉTRICA PARA A INDÚSTRIA NO BRASIL?”
[3] O modelo regulatório atual contém dois ambientes de contratação: Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e Ambiente de Contratação Livre (ACL). O primeiro inclui o mercado cativo de energia das distribuidoras e estas são obrigadas a comprar energia de todas as geradoras participantes dos leilões com contratos de longo prazo. O segundo é o mercado de curto prazo, de que podem participar consumidores livres e comercializadores que escolhem seu fornecedor de energia elétrica. (InforPetro)
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Percebe-se que, para muitos, falta uma compreensão clara do problema. Afinal, quem não acompanhou os processos de reformas que ocorreram no complexo setor de energia elétrica nos últimos anos não entende com facilidade as avaliações tão controversas sobre o tema. Esse cenário tem motivado uma intensa discussão a respeito do encaminhamento mais adequado para a questão do término das concessões.
Nesse sentido, nesta postagem serão destacados alguns pontos sobre esse tema específico de forma a levar o leitor a tirar suas próprias conclusões. Tais considerações estão baseadas sobretudo nas análises já desenvolvidas e expressas nos documentos das entidades citadas acima.
O primeiro ponto é a respeito do instrumento legal que leva a esse debate. A Lei 9.074/1995 prevê que, ao término das concessões, os ativos revertam para a União, devendo necessariamente ser licitados, cabendo ainda ao antigo concessionário compensações por investimentos que não estejam completamente depreciados. Esse processo afetaria muitas instalações do setor elétrico. São 22 GW de capacidade instalada correspondendo a 11 GW médios; 73.000 km de linhas de transmissão em operação e cerca de 38 concessionárias de distribuição de energia que representam em torno de 30% do mercado de distribuição. O maior volume de energia assegurada das concessões de geração e a maior parcela das concessões de transmissão de energia elétrica pertencem às empresas estatais federais.
Há controvérsias sobre se essas instalações cujos prazos de concessões formais se encerram entre 2015 e 2017 estariam ou não totalmente amortizadas. Deduz-se das análises que, antes do marco legal de 1995, o prazo de concessão era estabelecido no ato da outorga e correspondia a um período determinado, podendo ou não ser prorrogável de acordo com a legislação. Porém o prazo de amortização não estava sob um período previamente fixado e dependia das taxas médias anuais de depreciação aplicáveis aos ativos voltados à exploração econômica das concessões e permissões estabelecidas pelo órgão regulador. Desse modo, certamente há do ponto de vista contábil investimentos não amortizados ao final do prazo de concessão, pois os prazos de concessão e de amortização podem não ser os mesmos.
Cabe observar que uma instalação de geração de energia elétrica tem vários componentes ou unidades de cadastro[1] para ficar em uma linguagem contábil do setor eletrico. Nos registros contábeis tais componentes são discriminados por tipo de fonte (hidráulica, termelétrica a gás, biomassa, etc.), de modo a facilitar a avaliação de vida útil econômica de cada um deles separadamente. Ora se a taxa de depreciação para cada componente de uma usina é diferente, os prazos de amortização serão também diferentes. Qual seria a metodologia para calcular a indenização de investimentos realizados e não amortizados ? Uma questão para esse “imbroglio”.
Desse modo, é possível identificar que há diferenças relevantes de entendimentos que podem alterar substancialmente os cálculos e as análises que estão sendo realizados.
Nesse ponto específico há uma informação interessante apresentada nos documentos do Instituto ILUMINA que pode enriquecer a análise do leitor. “ As concessões não eram outorgadas por empreendimentos, como agora, mas sim por trechos de rios ou por área geográfica. Não havia necessariamente uma sequência imediata entre ato de concessão, construção da obra e sua entrada em operação”. O exemplo é a usina de Xingó que teve um prazo de concessão de 50 anos a partir de outubro de 1945, decorrente da outorga à CHESF para aproveitamento progressivo do rio São Francisco em um trecho do rio em Alagoas. Assim, a concessão terminaria em 1995. Mas a data de início da construção foi em final de 1994, determinada pelos estudos de planejamento, na época, no âmbito do Ministério de Minas e Energia. O primeiro dos seus geradores só operou em final de 1994. Certamente outras usinas estão sob a mesma situação.
Quanto ao preço da energia elétrica no Brasil, ele realmente se encontra entre os mais caros no mundo. Por um lado há análises que apontam que tributos e encargos federais, estaduais, municipais e setoriais somados podem chegar a quase 50 % do valor total das tarifas de energia elétrica cobradas ao consumidor brasileiro. Tal fato é a causa das altas tarifas praticadas.
Por outro lado, destaca-se a percepção de alguns analistas que, mesmo sem considerar a carga tributária, a tarifa de eletricidade no Brasil estaria em patamares mais altos se comparada com outros países com um perfil de matriz energética similar. As planilhas de custos das distribuidoras de energia elétrica podem nos mostrar se a energia comprada está em patamares altos; se assim for, não são somente os impostos que oneram o consumidor. Ou seja fatores mais estruturais estariam afetando as tarifas.
A FIRJAN recentemente divulgou um estudo[2] sobre o valor da tarifa de energia elétrica para a indústria. Em um trecho do documento encontramos que “a tarifa média de 329,00 R$/MWh para a indústria no Brasil é mais do que 50% superior à média de 215,50 R$/MWh encontrada para um conjunto de 27 países do mundo, para os quais há dados disponíveis na Agência Internacional de Energia. O documento da FIRJAN também ressalta que “apenas a parte da tarifa referente aos custos de geração, transmissão e distribuição já é superior à tarifa final de energia dos três principais parceiros do comércio exterior brasileiro: China, Estados Unidos e Argentina”. O que a FIRJAN quer alertar é que não é somente a carga tributária a responsável pelos preços da energia elétrica.
O fato concreto é que modicidade tarifária é um termo muito usado no setor elétrico. Mas para o bolso dos consumidores e principalmente os do mercado cativo[3] o preço do kWh no final de cada mês é alto.
Por fim, vale analisar a afirmação de que licitando os ativos que terão seus prazos de concessão vencidos haverá significativa redução do valor da tarifa de energia eletrica. Isso não é fato. Haverá uma redução, mas o percentual será de menos de 7%. Segundo o MME, a geração no Brasil corresponde a 40% da tarifa. Como cerca de 20% da geração é que serão licitados teremos o resultado de 8% ( 20% de 40%) . Em adição como em termos médios a hidreletricidade responde por 80% da geração teremos um percentual máximo de redução de 6,4% ( 80% de 8). Ou seja se a energia for entregue de graça, essa é a redução máxima.
Há um leque de incertezas presentes. Ou as concessões irão reverter à União, juntamente com o ressarcimento aos atuais concessionários dos valores referentes aos investimentos realizados e ainda não amortizados e nesse caso a outorga de novas concessões será por meio de licitação. Ou haverá uma nova prorrogação aos contratos através de mudanças na atual legislação. O MME criou um grupo de trabalho que estuda as alternativas para tal situação.
O que parece mais realista e oportuno, nessa oportunidade, é o governo avaliar e discutir as melhores soluções para aprimorar o papel das estatais do setor eletrico como braços estratégicos da infraestrutura energética. Em adição, é um momento, também, do governo definir quais ações podem trazer benefícios significativos nos custos das contas de eletricidade das residências, das indústrias, de todos os consumidores.
A solução passa por um viés político com consequências estratégicas.
[1] Unidade de Cadastro – UC é a parcela dos bens integrantes do ativo imobilizado que deve ser registrada individualmente no cadastro da propriedade.
[2] “QUANTO CUSTA A ENERGIA ELÉTRICA PARA A INDÚSTRIA NO BRASIL?”
[3] O modelo regulatório atual contém dois ambientes de contratação: Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e Ambiente de Contratação Livre (ACL). O primeiro inclui o mercado cativo de energia das distribuidoras e estas são obrigadas a comprar energia de todas as geradoras participantes dos leilões com contratos de longo prazo. O segundo é o mercado de curto prazo, de que podem participar consumidores livres e comercializadores que escolhem seu fornecedor de energia elétrica. (InforPetro)
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