terça-feira, 18 de outubro de 2011

Análise: Eletrobras seria vítima de concessões renovadas com ônus

BRASÍLIA - A provável renovação onerosa das concessões do setor elétrico teria como principal vítima a estatal Eletrobras. Com receita e geração de caixa menores, a companhia poderia ter comprometida sua capacidade de investimentos. O governo está perto de uma decisão sobre ativos do parque de geração, transmissão e distribuição de energia no Brasil cujas concessões vencem a partir de 2015.

Há indicações de que os ativos serão mantidos com as empresas mediante redução das tarifas, entre outras contrapartidas --justamente no momento em que a Eletrobras traça planos ambiciosos de investir 10 bilhões de reais em 2011 --o dobro do ano passado-- e cerca de 12 bilhões de reais anualmente de 2012 a 2015.

O governo, porém, não pensa em mecanismos para compensar a Eletrobras ou outras empresas pela possível perda de receita no caso de renovação onerosa das concessões. "Se perder (receita), perdeu. Faz parte", disse à Reuters o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner.

Uma fonte do governo, que pediu anonimato, confirmou que não há compensações sendo analisadas. Procurada, a Eletrobras informou que não vai comentar o assunto. O tema preocupa um parlamentar da base aliada: "Ninguém está cuidando disso. A geração de caixa da Eletrobras vai cair muito e o governo não está dando a devida atenção", disse o parlamentar, que pediu para não ser identificado.

Estudo recente da consultoria PSR aponta que a Eletrobras teria impacto de 4,5 bilhões de reais na receita anual --ou 45 por cento da meta de investimentos da estatal neste ano.

O levantamento leva em conta redução dos preços da energia na geração de 90 para 60 reais por megawatt-hora (MWh) e menores tarifas na transmissão por ativos que já tiveram seus investimentos amortizados.

Hubner refuta a ideia de que a eventual perda de receita da Eletrobras implique em menor capacidade de investimentos, argumentando que os novos projetos do setor costumam se estruturar na modalidade "project finance". "A receita do projeto é que garante os recursos", disse o diretor-geral da Aneel.

Maior grupo elétrico do país, a Eletrobras encara em 2015 o vencimento de cerca de 40 por cento das concessões de seus negócios em geração e de quase a totalidade dos ativos em transmissão.

O analista Eduardo Dias, da Omar Camargo, crê num preço regulatório fixado pelo governo que não prejudique tanto sua executora de políticas energéticas. "Talvez a solução não seja tão boa quanto se gostaria, mas vão achar um meio termo", avalia.

Para a PSR, como o governo ambiciona transformar a Eletrobras na "Petrobras do setor elétrico", a perda de capacidade de investimento poderia ser "compensada por aportes do Tesouro", possivelmente de algum tipo de ajuste fiscal.

DECISÃO POLÍTICA?
Especialistas consultados pela Reuters descartam que o governo decida relicitar os ativos e afirmam que não faria sentido prejudicar a Eletrobras, que é tida como estratégica na expansão do setor elétrico.

Para o analista Alexandre Furtado Montes, da Lopes Filho, o efeito de uma relicitação seria devastador para a estatal. "A Eletrobras teria que ser ressarcida pelos investimentos não amortizados e o resíduo não seria suficiente para dar conta do que perdeu."

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro, defende a manutenção dos ativos com a estatal, garantindo-a como instrumento de política energética.

"Acho que será uma decisão muito mais política que financeira. A Eletrobras tem garantido mais competitividade nos leilões de energia e colabora para que se obtenha modicidade tarifária", disse Castro.

Pelo viés político, a relicitação ainda poderia dar a impressão de que o governo estaria privatizando os ativos, ainda que não seja esse o caso, na visão do presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa.

O governo prevê que as regras para a recontratação da energia das usinas hidrelétricas cujas concessões vencem em 2015 saiam até o fim do ano. A decisão sobre o que será feito das concessões deve ocorrer até julho de 2012. (Reportagem adicional de Fábio Couto, no Rio de Janeiro). (Reuters -Autor: Leonardo Goy e Anna Flávia Rochas)


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