As ameaças da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de cassar as licenças de operação de usinas termoelétricas do Grupo Bertin provocaram mal-estar dentro do governo. O incômodo fez com que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, enviasse uma carta para o diretor-geral da Aneel, Nelson Hübner, dizendo que o órgão regulador estava "extrapolando" suas atribuições e que só o Ministério poderia caçar as outorgas das usinas.
Um dos primeiros sinais de mudança da postura da agência após a carta do ministro ocorreu na terça-feira, quando a Aneel, de forma surpreendente, recuou de decisão tomada em março e reconheceu que o governo federal tem uma parcela de culpa no atraso do início de operação de seis usinas do Bertin e descontou 101 dias referentes ao tempo em que o Ministério levou para conceder a outorga. As unidades deveriam ter entrado em operação em janeiro.
A decisão vai reduzir o tamanho da dívida que o grupo tem no mercado de comercialização de energia, mas não afasta, por completo, o risco de as outorgas serem cassadas.
A insatisfação de Lobão começou em maio, quando a Aneel ameaçou caçar as licenças de duas termoelétricas do grupo em função de dívidas com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobrás.
O ponto de conflito é que as autorizações para o funcionamento das usinas de Maracanaú e Borborema para o Bertin foram concedidas por uma portaria assinada pelo ministro. As autorizações das seis usinas que foram alvo da decisão da Aneel na terça-feira também são resultantes de portarias do Ministério.
"O fato é que a Aneel interferiu na decisão do Ministério e isso não poderia acontecer. A Aneel não pode revogar decisões do Ministério. A Aneel é vinculada ao Ministério; não é o Ministério que é vinculado à Aneel", disse uma fonte do governo ao Estado. "O que aconteceu é que nós tomamos uma decisão e a Aneel suspendeu a decisão. O ministério não gostou e mandou uma carta: coloque-se no seu lugar", revelou.
A situação só não "azedou" ainda mais porque o Bertin quitou as dívidas. Ainda assim, as divergências entre o ministério e a agência permanecem. Uma fonte da Aneel disse ao Estado que os atos do órgão regulador estão respaldados pela Procuradoria Especializada da autarquia.
"A lei prevê que a Aneel tem de fazer a fiscalização, mesmo quando a outorga é feita pelo Ministério de Minas e Energia. E se na fiscalização chega-se à conclusão de que a penalidade a ser aplicada é a cassação da outorga, a Aneel tem de fazer a cassação", defendeu.
Poder para cassar. O entendimento da Aneel, segundo essa fonte, é que mesmo nos casos de usinas que tiveram autorizações concedidas pelo Ministério de Minas e Energia, os poderes da Aneel para cassar as outorgas permanecem. "O entendimento da Procuradoria é que, mesmo assim, a lei fala que a Aneel tem de fazer a cassação", reforçou.
O órgão regulador está preparando um parecer para enviar ao ministro Lobão, justificando os atos da agência. Segundo essa fonte, porém, se o Ministério quiser ter de volta essa atribuição, a agência não se opõe, mas alertou que isso provocaria mais atraso nos processos de desligamento de usinas que descumprem os cronogramas estabelecidos.
"A gente entende que pela legislação vigente a Aneel pode cassar a outorga, mas se o Ministério acha que não tem segurança jurídica para isso, podemos fazer um ajuste por meio de um decreto, por exemplo", disse.
Definição de competência. Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia informou que a correspondência enviada à agência reguladora refere-se apenas a uma questão técnica para definição de competências. A Aneel também foi procurada pelo Estado, mas preferiu não se manifestar. (O Estado de S. Paulo)
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