Algumas afirmações, repetidas mil vezes, passam a ser vistas como verdades inquestionáveis. Há algum tempo se tem dito que as usinas hidrelétricas com termo final de concessão em 2015 poderão vender sua energia, posteriormente, com um preço que corresponda exclusivamente à cobertura dos seus custos de operação e manutenção. Isso porque os "consumidores já pagaram pela usina". Em paralelo e no sentido de corroborar a afirmação, é dito que "as referidas usinas já estão totalmente depreciadas".
Essa afirmação tem sido repetida à exaustão e não parece fruto de uma análise completa da situação. O investidor sempre espera receber, ao longo do tempo, uma receita que cubra o conjunto dos seus custos razoáveis, que permita amortizar os empréstimos realizados e que remunere adequadamente o capital investido.
No caso de empreendimentos do setor de energia elétrica, a fonte dessa receita é o consumidor final, que paga, direta ou indiretamente, os custos das usinas. Se, ao longo do tempo, a receita não for suficiente para cobrir as necessidades razoáveis daqueles que investiram em usinas, o consumidor não terá pago pelo empreendimento.
E no caso em pauta - usinas hidrelétricas - existem muitos fatores que indicam claramente que as empresas (federais e estaduais) não auferiram, por diversas razões, as receitas adequadas.
O prazo de concessão não pode ser entendido como prazo de depreciação. A depreciação não foi considerada pela União para definir os prazos de concessão.
Xingó, da Chesf, por exemplo, entrou em operação inicial em 1994 e comercial plena em agosto de 1997. Não completou 14 anos de receita. Seu termo final de concessão é 2 de outubro de 2015 e o contrato não prevê a possibilidade de prorrogação do prazo. Em paralelo, existe hidrelétrica em operação desde 1926 cujo contrato de concessão vence em 2012 e dispõe de cláusula possibilitando a prorrogação. Pode alguém afirmar que o consumidor já pagou pela Usina de Xingó?
Em várias ocasiões, ao longo do tempo, as empresas não receberam a "receita razoável". Por décadas as tarifas não cobriam o custo do serviço conforme determinavam as leis. Nesse período os consumidores "ficaram devendo" e os créditos foram contabilizados pelas empresas. Quando a União assumiu a dívida dos consumidores, o ressarcimento dos prejuízos foi feito de forma incompleta, com exclusão de correção monetária e mediante redutor de 25%. Além disso, várias empresas perderam receita própria em razão da obrigatoriedade de comprar a energia de Itaipu, com tarifa mais alta que os custos de suas usinas.
O lançamento contábil obrigatório da depreciação não significa o pagamento pelos consumidores. O consumidor não terá pago a depreciação se a receita foi insuficiente para cobrir os custos razoáveis.
As próprias taxas de depreciação definidas pelo Poder Concedente não permitem a depreciação contábil completa da usina em menos de 50 anos.
Considere-se, ainda, que nas hidrelétricas com termo contratual de concessão em 2015, as empresas fizeram, e continuam fazendo, importantes investimentos para manter as condições de boa operação, para modernização e revitalização. Esses investimentos também não foram depreciados, nem sequer contabilmente.
É elogiável e desejável qualquer esforço que se faça no sentido de modicidade tarifária. E vários são os instrumentos de que o governo federal pode lançar mão com esse objetivo. O que não parece razoável é partir da premissa de que as usinas hidrelétricas com termo final de concessão em 2015 "poderão vender sua energia, posteriormente, com um preço que corresponda exclusivamente à cobertura dos seus custos de operação e manutenção, uma vez que os consumidores já pagaram pela usina". Autor: Vilson D. Christofari (O Estado de S. Paulo)
EX-DIRETOR DA ELETRONORTE, DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA (DNAEE) E DA COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO (CESP), DA QUAL TAMBÉM FOI PRESIDENTE. É CONSULTOR DE VÁRIAS ENTIDADES.