A ideia de liberdade exerce um fascínio sobre os consumidores que se orgulham da possibilidade de escolher.
Logo, o que poderia estar errado no mercado livre de energia?
O problema é que somos peculiares. Hidrelétricos como a Noruega, mas com um diferencial que distorce o ambiente de um verdadeiro mercado de energia: a capacidade de armazenar água. Temos uma operação centralizada realizada pelo ONS.
Ele determina qual usina vai gerar em qual período e faz isso com critérios monopolísticos, sem considerar a competição. A geração resultante é bastante variável, dependendo das chuvas. Em alguns anos temos pouca geração térmica.
Com a mudança de regra em 1995, o Brasil resolveu implantar um modelo competitivo seguindo o padrão dos sistemas de base térmica.
As usinas comercializam um "certificado" fixo, uma fração da capacidade do sistema que lhe é atribuída por uma complexa metodologia.
A diferença entre a geração e o certificado é liquidada no mercado por um preço definido pelo ONS. Consumidores e comercializadores fazem o mesmo quando suas cargas ou seus contratos superam suas garantias físicas.
É um mercado virtual. Porém, o critério de garantia exige que a operação seja cuidadosa. Assim, quando o sistema está corretamente dimensionado, na maioria do tempo, há mais água do que a presumida. O efeito é que o preço é muito baixo.
Esse diferencial é um "estímulo" à especulação visando aproveitar os preços irrisórios. Quando alguém consome energia sem lastro físico, "pega uma carona" na exuberância das chuvas, coloca em risco todos os consumidores e ainda paga preços irrisórios.
Em 2010, a Aneel propôs criar um neologismo, a "alavancagem energética". Em bom português, quer dizer: vender energia sem lastro.
Dados atuais mostram alguma inadimplência nesse ambiente. Quando ocorrem altas súbitas nos preços, revela-se um surpreendente nível de descontratação, oculta quando dos preços baixos.
Por que a Aneel, opondo-se à legislação e às evidências, quer manter um sistema em que 1 MWh pode ser adquirido por quase nada? De tudo isso, será que pode ser barato para alguns justamente porque outros pagam caro?
ROBERTO PEREIRA D'ARAUJO é consultor na área de energia e autor do livro "Setor Elétrico Brasileiro - Uma Aventura Mercantil". (Folha de S. Paulo)
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