O sistema brasileiro de transmissão de energia ainda é vulnerável a falhas que podem deixar grandes regiões no escuro, avaliam especialistas, apesar de garantias do governo de que os blecautes recentes no Nordeste e na cidade de São Paulo foram incidentes isolados. Especialistas ouvidos pela Reuters apontam para falta de manutenção e investimentos em modernização do sistema de transmissão de energia como responsáveis pelos apagões.
O assunto é particularmente espinhoso para a presidente Dilma Rousseff, que foi ministra de Minas e Energia durante parte do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Logo após o apagão no Nordeste no início de fevereiro, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que o sistema brasileiro era robusto e moderno e que falhas eram comuns no mundo todo.
"Se o sistema fosse robusto e moderno como diz o ministro, isso não teria acontecido", diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Segundo ele, o Brasil sofre com falta de investimentos e modernização de linhas e subsestações. "O governo se concentrou em geração de energia e deixou um pouco de lado a questão da transmissão... O Brasil está com sistema fragilizado."
Para o professor da Poli-USP e ex-diretor da Petrobras Ildo Sauer, o sistema elétrico brasileiro é moderno apenas "na concepção". "Ele não está à altura do que foi planejado e construído. Está começando a ficar como o Sistema Único de Saúde (SUS): muito bem planejado, mas quem precisa dele sente-se ameaçado", afirma.
O blecaute de energia no Nordeste afetou oito Estados da região que juntos têm população de cerca de 46 milhões de pessoas. O Ministério de Minas e Energia afirmou que um defeito no cartão de proteção da subestação de Luiz Gonzaga (PE), que faz parte do sistema da Chesf, iniciou o apagão.
Dias depois do incidente no Nordeste, uma falha em uma subestação da Cteep em São Paulo deixou sem energia diversos bairros da capital paulista. Segundo a Cteep, o problema foi resultado de uma falha na subestação Bandeirantes, e as causas estão sendo investigadas.
Para especialistas, subestações podem ter ficado saturadas com o avanço da oferta de energia e não aguentaram a carga, ativando sistemas de segurança que teriam falhado quando necessário.
O presidente da Chesf, Dilton da Conti Oliveira, nega que o sistema seja obsoleto. "A cada momento estão sendo objetos de complementação para dar cada vez mais segurança", afirma. "Mas a segurança atual já é bastante elevada", defende.
A Cteep, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da Reuters sobre o apagão na cidade de São Paulo. O maior apagão dos últimos anos ocorreu no final de 2009, quando uma falha em uma linha de transmissão de Itaipu deixou sem energia 18 Estados brasileiros e parte do Paraguai.
Autoridades apontaram como causas o excesso de chuva e descargas elétricas. Para evitar novos problemas, foram instalados aparelhos conhecidos como guarda-chuvas chineses para proteger equipamentos na linha de transmissão.
NOVAS LINHAS
Para Pires, do CBIE, as novas linhas de transmissão que estão sendo construídas no Brasil ou já foram licitadas não deverão ter falhas no início de operação, "mas é preciso manutenção". "Muitas linhas estão atrasadas, e o que preocupa é termos novas usinas e não termos como transportar a energia."
Já o diretor-executivo da Associação Brasileira de Transmissoras de Energia (Abrate), Cesar Barros Pinto, diz que as novas linhas de transmissão têm mais risco de mostrar falhas. "O risco é maior porque elas tem como objetivo baixar o preço e não garantir qualidade, e mais cedo ou mais tarde a conta vai chegar", alerta. Para ele, as empresas do setor elétrico, em disputas por novas concessões, "atendem especificações nos parâmetros mínimos".
Em relação às linhas existentes, o diretor da Abrate diz, entretanto, que o sistema de transmissão de energia não é obsoleto e é atualizado de forma permanente. (Reuters)