terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Atuação do governo preocupa setor elétrico

Temor é que nova gestão interfira na Aneel e promova loteamento de cargos na agência

A atuação do governo no setor de energia e sua tensa relação com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) geraram desconforto no segmento nos últimos oito anos. Agora, o mercado cria expectativa sobre qual será o grau de autonomia da agência durante o mandato da presidente Dilma Rousseff.

Há quem acredite que as ingerências sobre a Aneel tendem a ser intensificadas, como o especialista em planejamento energético Adriano Pires, diretor da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “Essa já era uma característica do presidente Lula: o esvaziamento das agências”, diz. Ele discorda da “política de grande participação do Estado” e acredita que a consequência dessa postura é o enfraquecimento das agências reguladoras. “A Aneel é uma piada; agência reguladora é uma coisa anglo-saxã que foi tropicalizada”, diz Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004 e diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).

Apesar da declaração forte, Pinguelli Rosa concorda com a atuação mais incisiva do governo federal nas agências de regulação, especialmente na própria Aneel. “O Estado tem um papel natural no setor, que é o da garantia do suprimento de energia elétrica, e a agência pertence ao estado”, defende. Pinguelli Rosa defende a ideia de que não existe agência independente no país e que intervenções federais podem ser essenciais em momentos críticos, como o ocorrido com a ação do governo americano para que a montadora General Motors não fechasse as portas.

A ideia de inexistência de agência reguladora neutra é compartilhada por Ildo Sauer, ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras, professor e diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Entretanto, ele acredita que o estado tem usado seu poder para manipular de forma negativa a Aneel. Para embasar sua opinião, Sauer lembra do recente episódio do erro de cálculo na revisão das tarifas de energia elétrica, que resultou em um prejuízo de R$ 7 bilhões aos consumidores. “O governo foi notificado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2004 pelos problemas nos contratos e nada foi feitoafirma. “As agências devem ser reformuladas para que cumpram o papel de mediação de interesses para garantir mais qualidade e mais acesso, o que não tem acontecido”, diz Sauer.

Perfil técnico
Além das interferências pontuais, há também a questão do loteamento partidário dos cargos da Aneel, em detrimento da escolha de especialistas. Para Otávio Santoro, economista e especialista em engenharia elétrica, há cargos que exigem conhecimento na área. “Temos que separar a área política da técnica e, infelizmente, faz parte da postura do PT incluir afiliados”, afirma Santoro. O especialista afirma reconhecer a qualidade e a capacidade técnica de Nelson Hubner, atual diretor-geral da Aneel, mas critica a ocupação de outros cargos por pessoas aliadas ao governo, mas sem conhecimento técnico sobre o setor elétrico.

Essa postura já trouxe problemas para o setor. “Tanto Dilma quanto o ministro de Minas e Energia Edison Lobão bateram cabeça sem saber o que aconteceu no apagão de novembro do ano passado e acabaram descobrindo que foi um problema de manutenção por falta de planejamento”, recorda. Sobre a escolha de Lobão para ser novamente ministro, Santoro afirma que ele é “um ótimo político”, mas que não possui o perfil técnico esperado para a função. “Podemos dizer que ele já fez um estágio, agora vamos ver se nos próximos quatro anos convence como líder do setor”, diz. A reportagem procurou a Aneel, que preferiu não se manifestar sobre o assunto. (Brasil Econômico)

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