Provável adversário da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) entrou na semana passada no debate sobre a polêmica Medida Provisória 579 do setor elétrico. O texto prevê queda das tarifas a partir de janeiro - o que em tese beneficia a todos os setores da economia -, mas para isso impõe mudanças nas regras de concessão dos contratos e reduções nas margens de ganho das elétricas. Aécio diz que a MP vai reduzir investimentos e a capacidade de fornecimento, alerta o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), relator do texto, a não se submeter a pressões do Planalto, diz que a iniciativa traz desconfiança internacional e, por fim, ameaça judicializar a questão com recurso ao Supremo Tribunal Federal. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor.
Valor: A Cemig está entre as elétricas que poderão perder capacidade de investimento e de fornecimento de energia caso a MP 579 seja aprovada da forma que está?
Aécio Neves: Todos nós, independentemente de filiação partidária e de tendência política, somos favoráveis à diminuição das contas de luz. Essa é uma questão das poucas que unem todos os brasileiros. Mas diferentemente do PT, nós do PSDB já praticamos isso. Minas Gerais é o Estado que tem a maior parcela de pessoas isentas de ICMS [na conta de luz]. Metade das famílias de Minas são isentas porque consomem até 90 MGW. Faço esse preâmbulo porque essa discussão começa a ser colocada de forma indevida, como se nós não quiséssemos a diminuição da tarifas. Queremos, sim, e achamos que o governo tem espaço ainda maior para diminuir ainda mais das tarifas.
Valor: Mas o senhor tem usado termos como intervencionismo, quebra de contratos...
Aécio: O que nós condenamos é o intervencionismo e a ausência de diálogo do governo com os Estados e com as companhias de energia e, no caso da Cemig em especial, a quebra de contrato temos três hidrelétricas. Ao longo dos últimos anos, até abril deste ano, 126 usinas tiveram seus contratos de concessão renovados pela primeira vez. O que nós queremos para as hidrelétricas mineiras é o mesmo tratamento. Não há por que você permitir que uma hidrelétrica de Furnas tenha uma renovação não onerosa quatro meses atrás e hidrelétricas na mesma condição da Cemig não tenham o mesmo tratamento. Então essa é uma questão central que estamos discutindo.
Valor: Na sua avaliação, há espaço para mudanças no Congresso da MP 579?
Aécio: O que parece grave nisso é a forma desrespeitosa como o Congresso vem sendo tratado nessa matéria. Eu vi algumas declarações ontem [quinta-feira] de terceiros que atribuíam à presidente da república a afirmação que não ela aceitava que o relator modificasse através da aceitação de qualquer emenda o texto da Medida Provisória. Seria, segundo os jornais reproduziram e ninguém desmentiu, um teste de lealdade para que ele pudesse ser presidente do Senado. Mas seria, na minha avaliação, um teste de deslealdade com o Senado. O Congresso existe para analisar as propostas do governo e aprimorá-las. E quando o governo estabelece o prazo de 4 de dezembro para a assinatura de contratos, portanto uma adesão às regras, antes sequer de o Congresso apresentar o texto da MP, é um desrespeito absoluto ao parlamento e à democracia.
Valor: A disputa pela Presidência no Senado, na sua avaliação, vai dificultar mudanças do texto da MP?
Aécio: Espero que não. O senador Renan é experiente e ele não pode deixar que o governo trate do Senado como extensão do próprio governo, onde a presidente impõe suas vontades sem aceitar qualquer discussão. Se ele [Renan] inicia sua caminhada submetendo o Congresso à vontade unilateral do governo federal sem possibilitar o debate da matéria no Senado e o aprimoramento do texto ele começa numa mão inversa.
Valor: Voltando à Cemig, a MP ameaça os investimentos da Cemig e sua capacidade de fornecimento de energia?
Aécio: No caso da Cemig e de outras empresas, haverá um comprometimento grave na capacidade de investimentos, certamente. Eu já citei uma frase do ex-presidente Juscelino que energia cara é aquela que vc não tem. Já houve uma perda muito expressiva no valor dessas empresas com a edição da MP e a quebra de contratos. A Cemig já perdeu R$ 11 bilhões no seu valor de mercado. Obviamente que isso significa que ela perde capacidade de investimentos.
Valor: A direção da Cemig tem dito que vai lutar pelo que considera direito de seus acionistas em ter as concessões de três de suas usinas renovadas pelas regras em vigor, e não pelas que o governo propõe. O senhor pretende agir de que forma nesse caso da Cemig?
Aécio: No caso da Cemig e no que diz respeito a essa questão do contrato assinado, nós não vamos aderir e vamos judicializar a questão. Se o governo impuser um rolo compressor nessa matéria, nós vamos ao Supremo Tribunal Federal e acho que vamos ganhar. Até porque temos informações e documentos que mostram que a cartilha do Ministério das Minas e Energia publicada em 11 de setembro, quando a presidente fez o anúncio, não incluía essas três hidrelétricas da Cemig, São Simão, Jaguara e Miranda. Quando a presidente anunciou as medidas, as estaduais contribuiriam com 6.800 MW e com isso eles chegavam a um cálculo de 20,2% de diminuição das tarifas. Dezessete dias depois é que a Aneel publicou uma lista incluindo essas três usinas e outras menores de primeira renovação.
Valor: Mas o senhor planeja alguma iniciativa concreta em prol da Cemig?
Aécio: E eu estou apresentando - e é a primeira vez que estou falando isso em público - alternativas. E eu vou demonstrar na comissão da MP que com a retirada com a taxa de pesquisa e desenvolvimento, que o governo ainda não tirou da conta de luz, com a retirada da taxa de fiscalização da Aneel, e a conta de desenvolvimento energético (CDE), que o governo retirou 75%, se o governo zerar, o impacto é de 3% na tarifa; muito maior que a inclusão dessas hidrelétricas proporcionaria. Sem falar na PIS-Cofins, que se fosse retirada da conta de luz, geraria um impacto na redução da tarifa de 7%. Na discussão com o Renan, ele pode apresentar isso na medida provisória.
Valor: O risco de falta de energia a que o senhor se referiu, caso a MP seja aprovada da forma que está, seria algo no curto prazo?
Aécio: É a médio prazo. O setor é ainda carente de investimento e não se pode brinca com algo tão sério. Esse viés intervencionista do governo faz mal à saúde do setor, mas faz mais mal para a saúde da democracia no Brasil. (Valor Econômico)
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