Empresas que detêm as concessões de 11 usinas hidrelétricas licitadas antes de 2004 começaram a receber uma conta de pelo menos R$ 18,5 milhões por mês e podem se ver forçadas a devolver esses projetos ao governo. Caso deixem de pagar essa conta, as empresas correm o risco de entrar no cadastro de inadimplentes do Tesouro Nacional e de ficar sem acesso a empréstimos de bancos públicos para todas as suas atividades produtivas, mesmo aquelas que não têm relação com o setor elétrico. O detalhe é que essas usinas jamais saíram do papel pela falta do licenciamento ambiental, que é dado pelo próprio governo.
As empresas que lideram os projetos - um grupo que engloba pesos-pesados como Gerdau, Light, Alcoa e Votorantim - decidiram reagir. No fim da semana passada, elas entraram com um pedido de liminar na 7ª Vara Federal de Brasília, contra o início da cobrança das concessões. Uma lei que prorrogava o pagamento de outorga por essas usinas expirou no dia 15 de junho. Havia a expectativa de uma nova extensão do prazo de carência para o pagamento. O assunto foi discutido durante meses entre o Ministério da Fazenda, o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Apesar disso, não houve nenhuma definição.
"Há seis meses busca-se uma solução e o governo ainda não tomou medidas. Avisamos que íamos tomar uma providência. É um absurdo, é uma inconsistência pagar por algo que nunca pôde ser construído", protesta Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), que reúne indústrias que geram energia para consumo em suas próprias fábricas.
O conjunto de 11 usinas soma 2.117 megawatts (MW) de potência, o equivalente a quase 2% do parque gerador brasileiro, e ficou no limbo entre o velho e o novo marco regulatório do setor elétrico. Antes de 2004, as usinas eram licitadas sem licença prévia. A responsabilidade por obter essa autorização era das empresas vencedoras dos leilões. Pelo modelo novo, os empreendimentos passaram a ser leiloados somente depois da comprovação de viabilidade ambiental pelo Ibama ou pelos órgãos estaduais.
A judicialização das concessões ocorre em um momento em que boa parte das empresas ainda apostava na liberação definitiva dos projetos. A maioria já teve seus estudos ambientais refeitos, com o propósito de passar pelo crivo dos órgãos ambientais. "Não temos absolutamente nenhuma disposição de devolver a concessão. Investimos R$ 10 milhões e muitos anos de trabalho nos estudos. Queremos construir nossa usina e esperamos que o governo tome uma atitude de bom senso. Essa situação é estapafúrdia", diz Carlos Augusto Blois, diretor de integração e apoio da companhia Arcadis Logos, que está à frente da usina de Murta. O projeto de 120 MW está baseado em duas barragens no rio Jequitinhonha, na cidade mineira de Coronel Murta. A hidrelétrica tem previsão de investimento de R$ 520 milhões.
A Gerdau é mais uma das grandes companhias que continuam a acreditar na viabilidade das usinas que, com o tempo, passaram a ser conhecidas como os "micos" do setor elétrico. Em resposta encaminhada ao Valor, a companhia informou que não cogita a devolução das concessões de duas usinas projetadas para o rio Chopim, entre as cidades de Honório Serpa e Clevelândia, no Paraná. Na hidrelétrica de São João, com 60 MW de potência, o projeto básico realizado pela Gerdau está em andamento e a empresa tinha a expectativa de obter a licença de instalação da usina até o fim deste mês. A situação é mesma para a hidrelétrica Cachoeirinha, de 45 MW. "A Gerdau continua aguardando a emissão das licenças de instalação, mas acredita na possibilidade de iniciar as construções no decorrer deste ano", afirma a assessoria da companhia.
O Valor apurou que não há consenso no governo sobre o futuro dessas usinas. O Tesouro Nacional teme ser responsabilizado por crime de responsabilidade fiscal e, por isso, resiste a prorrogar novamente o início da cobrança de outorga. Enquanto isso, há autoridades do setor elétrico que veem com bons olhos a devolução das concessões, a fim de licitá-las novamente usando o critério de menor tarifa.
Menel, da Abiape, diz que não é vontade da maioria dos investidores devolver essas concessões. Ele reconhece, porém, que não haverá alternativa, caso a cobrança de outorga seja mesmo efetuada. "Fica muito difícil manter a viabilidade dos projetos, principalmente em usinas como Santa Isabel e Couto Magalhães, que têm taxas de outorga muito altas", afirma o executivo.
Levantamento preliminar da associação, com oito das 11 hidrelétricas, indica que elas deverão pagar R$ 18,5 milhões por mês. Santa Isabel, a maior delas e com capacidade prevista de 1.087 MW, pagará R$ 161 milhões anuais. Alcoa, BHP Billiton, Camargo Corrêa, Vale e Votorantim Cimentos detêm a concessão do projeto.
A cobrança das outorgas não é o único problema enfrentado por essas usinas. Como todas foram leiloadas há mais de dez anos, as empresas já perderam praticamente um terço do prazo de concessão que tinham para explorar os empreendimentos. É preciso, portanto, que o governo também tome uma decisão sobre a prorrogação dessas concessões - a maior parte é de 35 anos -, única medida que poderia garantir a viabilidade financeira de cada empreendimento. Caso contrário, as empresas simplesmente não teriam mais tempo para obter o retorno projetado quando venceram os leilões. Procurados insistentemente pelo Valor, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel não responderam aos pedidos de entrevista. (Valor Econômico)
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