A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e o Grupo Bertin têm travado desde abril uma guerra judicial com grande repercussão nos bastidores do setor elétrico. Em alegações à Justiça, a CCEE acusa a empresa de ter agido de "má fé" em transações no mercado de energia, com "venda de energia elétrica em montante acima da garantia física" de suas usinas. As acusações são pesadas e sobem de tom: a CCEE vê "fraude" nas operações, com "prejuízos gigantescos ao mercado".
O embate envolve a venda de energia pela Água Paulista Geração, empresa da Bertin que controla quatro PCHs que somam 6,1MW. A companhia não teria apresentado lastro suficiente para cumprir dois contratos, o que teria resultado num déficit de 604.425,283MWh, suportado pelas sobras existentes no mercado de curto prazo. A Bertin, no entanto, não pagou aos agentes que cobriram o "rombo", o que causou uma inadimplência de cerca de R$72 milhões no mercado na liquidação financeira de março.
A companhia, então, entrou com uma ação na Justiça e obteve dois mandatos de segurança assinados pela desembargadora Selena Maria de Almeida para se abster de pagar o montante e eventuais penalidades por falta de lastro. A Bertin alega que está em discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um processo para suspensão temporária de contratos de térmicas suas que estão com atraso e pede que a contabilização das operações no mercado seja feita somente após a resolução do imbróglio que envolve as térmicas, o que foi acatado pela juíza.
A CCEE afirma que a Bertin busca "confundir o juízo" com a argumentação e diz que é "inexistente" a relação entre o déficit da Água Paulista e as usinas em atraso discutidas na Aneel. A câmara ainda aponta nos autos que a ação da Bertin é "ardilosa" e pautada pela "insensatez".
Por outro lado, a Bertin sustenta que, caso a Aneel aceite a suspensão dos contratos das térmicas atrasadas, terá havido "excesso de lastro" depositado por essas usinas. Isso porque o processo da Aneel discute suspensão de contratos e, caso acatado o pleito da empresa, parte da energia não precisaria mais ter sido entregue a algumas distribuidoras, o que faria com que a Bertin tivesse aportado lastro a mais "nos meses de outubro e novembro de 2011".
Procurada pela reportagem, a Bertin sustentou a posição apontada na ação judicial e disse, por meio da assessoria de imprensa, que não está configurada inadimplência, uma vez que o mandato de segurança está em vigor."Quem analisa é a Aneel. Se ela der ganho de causa à Bertin (na suspensão dos contratos), não há dívida", aponta a empresa.
Já a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) não comenta o assunto. O Jornal da Energia apurou que a questão é vista internamente como muito delicada, o que leva os representantes do órgão a não se manifestarem publicamente.
Apesar de as partes e os demais agente do setor preferirem a discrição, o assunto tem sido bastante comentado e gerado polêmica. Geradores pediram reuniões com a CCEE para conhecer detalhes do caso e mostrar preocupação com uma possível insegurança no mercado devido ao precedente aberto.
"Temos uma preocupação com a judicialização e o aproveitamento de qualquer brecha legal para se fazer jogos que prejudiquem o mercado. O mercado tem uma aversão muito grande a inadimplência, principalmente os geradores, que não têm defesa nenhuma, uma vez que gera sem saber quem pagará por isso (no mercado de curto prazo)", explica um executivo.
Já comercializadores procurados pela reportagem foram mais incisivos e atacaram a Bertin, com acusações de desonestidade e métodos escusos para conseguir se manter no mercado.
Um consultor ainda disse que o culpado pela novela toda pode ser o próprio setor elétrico e suas regras, que não conseguiram tirar a Bertin do jogo assim que ela começou a demonstrar que não conseguiria cumprir seus compromissos. Ele ainda aponta que a empresa buscou, sempre, a estratégia de judicializar as disputas com a CCEE e a Aneel, o que gera demora e custos. "O governo demorou muito para se manifestar, e quando se manifestou, a Bertin já estava cercada pelas liminares".
Nessa última cartada, por exemplo, o mandato de segurança da Bertin obrigou a CCEE a contratar o escritório de advogados Pinheiro Neto. Segundo decisão do Conselho de Administração da CCEE, a defesa custará até R$137 mil em honorários.
Ecom se afasta de polêmicas - A comercializadora Ecom Energia enviou um comunicado ao mercado de energia no final de maio em que nega qualquer relação com o problema da Bertin. A empresa teria sido associada à questão por um informativo interno da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).
A Ecom afirma que fez operações de swap - troca de energia - com a Bertin em janeiro e fevereiro de 2012. Nessas transações, a comercializadora entregava a eletricidade em um mês e recebia de volta o mesmo montante no mês posterior. A empresa diz que tais operações, totalmente formalizadas e comunicadas com antecedência à CCEE, foram encerradas em março. Também é destacado pela Ecom que ela não é citada em nenhum momento na guerra judicial entre CCEE, Aneel e Bertin.
"A posição da Ecom nessa operação é normal, como em outra qualquer. Entreguei (energia) em um momento e ele (Bertin) me devolveu em outro momento. Lastro é problema deles, não meu", rechaça Márcio Sant´Anna, sócio-diretor da Ecom. (Jornal da Energia)
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