domingo, 15 de janeiro de 2012

Pouca luz nas contas de luz

Uma vez criados, os tributos no Brasil são para sempre. Com a gloriosa exceção da CPMF, um imposto em cascata revogado pelo Congresso por pressão da sociedade, há uma imensa variedade de contribuições que deveriam ser provisórias, mas que se perpetuam. Entre elas, estão as contribuições setoriais sobre as contas de luz, que continuam a ser cobradas, embora os objetivos para os quais foram instituídas não mais as justifiquem. Para o Fisco, a grande vantagem desses encargos é a facilidade de arrecadação. Para não ter a energia cortada os consumidores são obrigados a pagar e o governo faz o que quer com essa receita. Grande parte dela serve para tapar rombos no sistema elétrico estatal e uma parte é reservada para reforçar o superávit primário das contas públicas, que deveria resultar do corte de despesas, mas, como se tornou praxe, depende do aumento da arrecadação.

Este ano não será diferente de 2011, só que o consumidor pagará mais. Segundo calcula a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), os consumidores vão desembolsar, em 2012, R$ 19 bilhões, correspondentes às contas de luz. Uma grande parte virá da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que vai abocanhar nos próximos 12 meses R$ 6 bilhões, R$ 900 milhões a mais que no ano anterior. A outra parte virá das taxas cobradas a título de Reserva Global de Reversão (RGR), Programa de Incentivos às Fontes Alternativas, taxa de fiscalização pela Aneel e outros penduricalhos. Os consumidores pagarão R$ 1,4 bilhão a mais que em 2011.

A CCC foi criada em 1973 para permitir o rateio, entre todos os consumidores do País, dos custos das termoelétricas instaladas no Norte, fora do sistema interligado, que funcionavam a óleo combustível, gerando uma energia muito cara para os habitantes locais. Mas com a instalação de hidrelétricas naquela região, integradas ao resto do País com a extensão das linhas de transmissão, esse encargo deveria ser gradualmente reduzido até ser extinto. Mas, como sempre prefere o governo, deram-se outras destinações à CCC, que hoje serve para subsidiar combustíveis e tapar diversos outros buracos do sistema elétrico.

O caso mais gritante é o da RGR, instituída em 1957 com a finalidade específica de cobrir os custos de reversão de concessões do setor elétrico ao órgão concedente. Até hoje não há registro de uso dos recursos arrecadados por essa taxa para atender às despesas para as quais foi criada. Estima-se que, entre valores a receber e depositados, a RGR disponha de R$ 16 bilhões, um prato feito para o governo utilizar para alcançar a meta de superávit primário.

Se considerarmos os encargos embutidos na tarifa e mais o PIS/Pasep, Cofins e ICMS, cobrados de forma transparente, constata-se que os impostos respondem por praticamente metade do valor das contas de luz pagas pelo consumidor. O governo, como disse o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, criou um monstro que vem comprometendo a competitividade do País. Em um momento em que tanto se fala em medidas que o governo pretende tomar para que os produtos os brasileiros, especialmente manufaturados, possam ganhar competitividade no mercado internacional, o custo da energia elétrica no País, como não têm cansado de ressaltar os industriais, chega a ser escandaloso. Esse ônus representa uma parte substancial do custo Brasil.

Ironicamente, o potencial hídrico do País, utilizado em grande escala para a produção de eletricidade, que seria uma vantagem comparativa do Brasil, acaba sendo um fator negativo, em vista do número de encargos setoriais que o governo impôs sobre o fornecimento de energia elétrica. A barafunda tributária em que o País se envolveu não se resolve com medidas pontuais. É preciso coragem para propor uma reforma ampla, abrangendo a multiplicidade de impostos, contribuições e taxas, para adequar o País aos desafios com os quais se defronta nesta etapa de seu desenvolvimento. (O Estado de S.Paulo)



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