sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Governo usa BNDES para controlar setor elétrico

A entrada do braço de participações do BNDES na Neoenergia vai reforçar a posição do banco como um grande ator do governo federal no setor de energia. A própria entrada da instituição na negociação do acordo com a empresa espanhola Iberdrola se deu por determinação da presidente Dilma Rousseff, que considera o setor estratégico no país e quer ficar atenta aos passos de grupos estrangeiros.

O banco tem hoje participação acionária relevante em dez empresas elétricas e em duas delas participa diretamente de decisões operacionais: na Copel, do governo do Paraná, e na Brasiliana, onde é sócio da empresa americana AES.

O desejo inicial do governo, nas negociações em torno da Neoenergia, era realizar uma megafusão com a CPFL, onde a Camargo Corrêa e a Previ são acionistas. Mas os espanhóis foram duros e logo firmaram posição comprando ativos no Brasil, como foi o caso da Elektro, e também reforçando o interesse em controlar a nova companhia. Sem que os espanhóis concordassem que a Camargo assumisse o controle, o rumo das negociações mudou.

Ampliar imagem - Para convencer o governo brasileiro de seu compromisso com o país, a Iberdrola passou a gastar dinheiro. Comprou a Elektro por mais de € 2 bilhões, foi uma das grandes vencedoras do leilão de energia eólica de 2010 e aprovou sem restrições a entrada da Neoenergia no investimento da usina hidrelétrica de Belo Monte e de Teles Pires - que acabou com o menor preço de energia já registrado no país. Esses novos negócios devem fazer com que a Neoenergia se aproxime dos R$ 4 bilhões em investimentos no próximo ano.

O governo acabou concordando em transformar a Iberdrola em principal acionista da companhia, mas exigiu que o BNDES assumisse fatia relevante no capital, com direito a participar das decisões estratégicas da empresa de agora em diante. Entre elas, a obrigação de que o capital da companhia seja aberto na bolsa brasileira e também a participação em novos leilões de energia. Os espanhóis não se opuseram.

Para a Iberdrola, ampliar a participação na Neoenergia é uma forma de diversificar o risco espanhol ao qual o grupo está exposto neste momento, aumentando sua participação em uma região que tem registrado elevados índices de crescimento econômico - mesmo crescendo pouco neste ano, o mercado brasileiro tem perspectivas mais animadoras para os próximos anos que a Espanha. O Brasil em meados da década passada era escondido no balanço da Iberdrola, segundo conta um executivo do grupo, e hoje é ponto de destaque.

Além disso, como segue as regras contábeis determinadas pelo IFRS, é fundamental para a Iberdrola ter o controle acionário e administrativo para poder consolidar 100% do balanço em suas demonstrações e não apenas por equivalência patrimonial, que restringe a consolidação à participação efetiva. A Neoenergia é dona de um caixa de R$ 4 bilhões e reservas de lucro de mais de R$ 6 bilhões. Esses números vão melhorar as condições de crédito da Iberdrola.

O único impasse que ainda impedia o fim das negociações era em torno da discussão sobre a governança da Neoenergia e que envolve a definição dos termos do acordo de acionistas, bem como a visão sobre o futuro do setor elétrico no país. "O governo está olhando não apenas a transação (em torno do controle da Neoenergia), mas o setor", explicou uma fonte.

Os números acordados entre as duas empresas ainda são guardados a sete chaves. Pela avaliação de Marcos Severine, analista do setor elétrico do Itaú BBA, a Iberdrola teria que pagar R$ 5 bilhões para chegar aos 60% de capital. Ele calculou um valor de R$ 21 bilhões para 100% da Neoenergia, com base em cálculo de seus ativos de geração e distribuição. Severine avalia em R$ 2,5 bilhões o custo da participação de 12% do Banco do Brasil, que deixará a companhia.

Ao todo, somadas as participações da Previ e do BBI, a aquisição de ações da Neoenergia pela Iberdrola e pelo BNDES poderá sair por R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões. O analista do Itaú BBA acredita que a Iberdrola e o BNDES farão excelente negócio. Ele prevê que com o tempo o banco possa vir a vender sua participação, como é de sua estratégia de participação em empresas em diversos setores. Não tem sido, entretanto, uma realidade do setor de energia.

O BNDES continua sócio, por exemplo, da AES na Brasiliana, que é dona da distribuidora Eletropaulo e da geradora Tietê. A entrada do banco no capital da companhia se deu em função da inadimplência do grupo americano, que comprou as empresas no Brasil no processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso com dinheiro da instituição.

O banco tentou vender os 53% do capital total que possui, em 2007, mas recuou em função de a AES ter demonstrado interesse em exercer seu direito de preferência. Os governos do ex-presidente Lula e o atual de Dilma Rousseff veem com reticências que grupos estrangeiros tenham controle de 100% de ativos importantes como o do setor de distribuição e transmissão. Uma nova tentativa de negociação com os americanos foi feita em meio à crise financeira mundial, já em 2009, e envolvia a Odebrecht e a Camargo Corrêa. Mas o grupo americano foi capitalizado pelos chineses, que compraram 15% da AES Corporation, e os negócios ficaram caros para os grupos brasileiros.

Além do BNDES, o governo usa a Eletrobras para manter participações relevantes em outras companhias consideradas estratégicas. No setor de transmissão, a Eletrobras é sócia relevante na Cteep, que é controlada por um grupo colombiano. (Valor Econômico)

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