O Brasil urgentemente deve iniciar um projeto de implantação de smart grids (redes inteligentes de energia elétrica) para não se retardar no mapa da tecnologia da civilização ocidental. O custo não será inferior ao do pré-sal (cerca de R$ 600 bilhões). O risco, porém, do empreendimento nasce infinitamente menor do que o da Petrobras. - Cyro Boccuzzi (Enersul) deu (em 23/11) uma aula ao comitê estratégico de energia da Amcham-SP, mostrando a fatalidade da era dos smart grids. Marcha uma revolução nos paradigmas e tecnologias como não se via no setor desde a primeira metade do século passado. Ingressamos na sociedade digital sem retorno.
É inevitável o sensoriamento dos ativos de energia entrelaçada com telecomunicações, que traz a tecnologia da informação e quebra o que se sabia - até hoje - de geração, distribuição e transmissão de energia. Surge um novo modelo de negócios (as teles e as distribuidoras terão de ajustar os seus). O Brasil carece de nova qualificação das respectivas mãos de obra (o eletricitário desconhece o mundo das teles e vice-versa), em meio à evolução exponencial na inovação.
A geração de grande porte perde o encanto diante da distribuída. Assim, carvão e óleos, além de linhas de transmissão, sofrerão concorrência. A corrente alternada cede espaço à contínua. As perdas técnicas e não-técnicas do sistema se reduzirão. Aumentará a estabilidade dos sistemas de potência. Buscar-se-á sincronismo perfeito entre oferta e consumo (hoje há uma punição tarifária quando o fator de utilização de um usuário diminui).
Certamente, um desafio é ampliar a forma, a eficácia e a eficiência da operação do sistema e do armazenamento de energia elétrica, muito além das baterias dos automóveis elétricos. A casa do presente (Dinamarca, Alemanha) é a do futuro no Brasil: consome, produz e vende energia. Isso sacode a indústria eletroeletrônica. O setor carecerá de sensores de todas as dimensões. Aparecerão novas plataformas de softwares. E as teles competirão em alto nível de desempenho, guiadas por tarifas dinâmicas.
Paralelamente, o lema da eficiência crescerá em todas as direções: de geração em pequena escala a automação predial, com consequências sobre a privacidade doméstica e profissional (que abarcará todas as utilidades, água, gás luz). Os dados podem vazar para hackers e as famílias estarão desnudas em CDs na Rua Santa Ifigênia em São Paulo. Com os CPFs houve precedentes.
Catatônicos estão os Poderes republicanos, que não se movem rumo a arcabouços regulatórios, condições securitárias e creditícias, carentes de uma política energética que transcenda a obsessão pela expansão da oferta de kWh. Como guiar a tecnologia solar nas casas que se cobrirão de captadores de raios? Ora, a Alemanha cobra 0,3 euro por quilowatt distribuído num domicílio, mas paga a ele 0,23 euro pela sua injeção na rede pública, a partir de fontes renováveis.
Não estamos nos preparando - econômica ou socialmente - para o cenário inescapável de um mundo que luta pela sustentabilidade (vide a futura e incerta Rio+20, em sequuência à de Copenhagen). Tampouco orientamos investidores sensíveis a este devir. Então, como evitar gargalos no transporte dos quilowatts-hora oriundos de eólicas e solares capazes de produzir picos de tensão nas linhas?
Como assegurar qualidade à energia dos novos milhões de medidores, enterrando linhas nas cidades e educando contra roubos de cabos e dispositivos elétricos? Como compatibilizar os custos disso tudo face às tarifas de energia nada competitivas no Brasil? Como harmonizar nosso custo de vida com redes inteligentes? Ousaremos antes da Copa do Mundo se na Light roubam-se ainda uns 20 % da energia vendida. Se um medidor doméstico no Texas fatura US$ 300 por mês, e no Brasil, R$ 30 por mês - em quanto tempo aqui se pagaria uma unidade?
Se Boccuzzi me inquietou, Guilherme Mendonça, no mesmo encontro, não deixou por menos: aqui prevalecem as incertezas dos empreendedores dispostos às oportunidades das smart grids, porque o governo (Mdic, Ciência e Tecnologia e outros no Planalto) segue desarticulado no assunto. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ainda não incorporou o novo mundo aos seus planos decenais. A obsessão é evitar apagão, o que é um olhar pobre do problema.
Mendonça enfatizou a era da urbanização mundial, numa sociedade digital. Metade da humanidade viverá em cidades até 2030. Dois novos humanos aparecem nas cidades a cada segundo. O incremento de energia deve ser de 63% até 2030 ou mais 33 terawatts-hora (TWh).
Na Alemanha já há 17 gigawatts (GW) solares, com desembolsos assistenciais do tesouro da ordem de 900 milhões de euros no programa. E aqui? Onde estão as oportunidades? O metrô de São Paulo opera a linha amarela a distância. As usinas do rio Madeira também serão operadas a distância. As linhas de transmissão modernas no Brasil nascem com teles e fibras óticas nos projetos.
Portanto, o desafio maior reside nas distribuidoras brasileiras, enquanto, por ora, o seu futuro é imprevisível. Nem mesmo se sabe seus dias expirando as atuais concessões... Autor: Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor e escritor. (DCI)
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A geração de grande porte perde o encanto diante da distribuída. Assim, carvão e óleos, além de linhas de transmissão, sofrerão concorrência. A corrente alternada cede espaço à contínua. As perdas técnicas e não-técnicas do sistema se reduzirão. Aumentará a estabilidade dos sistemas de potência. Buscar-se-á sincronismo perfeito entre oferta e consumo (hoje há uma punição tarifária quando o fator de utilização de um usuário diminui).
Certamente, um desafio é ampliar a forma, a eficácia e a eficiência da operação do sistema e do armazenamento de energia elétrica, muito além das baterias dos automóveis elétricos. A casa do presente (Dinamarca, Alemanha) é a do futuro no Brasil: consome, produz e vende energia. Isso sacode a indústria eletroeletrônica. O setor carecerá de sensores de todas as dimensões. Aparecerão novas plataformas de softwares. E as teles competirão em alto nível de desempenho, guiadas por tarifas dinâmicas.
Paralelamente, o lema da eficiência crescerá em todas as direções: de geração em pequena escala a automação predial, com consequências sobre a privacidade doméstica e profissional (que abarcará todas as utilidades, água, gás luz). Os dados podem vazar para hackers e as famílias estarão desnudas em CDs na Rua Santa Ifigênia em São Paulo. Com os CPFs houve precedentes.
Catatônicos estão os Poderes republicanos, que não se movem rumo a arcabouços regulatórios, condições securitárias e creditícias, carentes de uma política energética que transcenda a obsessão pela expansão da oferta de kWh. Como guiar a tecnologia solar nas casas que se cobrirão de captadores de raios? Ora, a Alemanha cobra 0,3 euro por quilowatt distribuído num domicílio, mas paga a ele 0,23 euro pela sua injeção na rede pública, a partir de fontes renováveis.
Não estamos nos preparando - econômica ou socialmente - para o cenário inescapável de um mundo que luta pela sustentabilidade (vide a futura e incerta Rio+20, em sequuência à de Copenhagen). Tampouco orientamos investidores sensíveis a este devir. Então, como evitar gargalos no transporte dos quilowatts-hora oriundos de eólicas e solares capazes de produzir picos de tensão nas linhas?
Como assegurar qualidade à energia dos novos milhões de medidores, enterrando linhas nas cidades e educando contra roubos de cabos e dispositivos elétricos? Como compatibilizar os custos disso tudo face às tarifas de energia nada competitivas no Brasil? Como harmonizar nosso custo de vida com redes inteligentes? Ousaremos antes da Copa do Mundo se na Light roubam-se ainda uns 20 % da energia vendida. Se um medidor doméstico no Texas fatura US$ 300 por mês, e no Brasil, R$ 30 por mês - em quanto tempo aqui se pagaria uma unidade?
Se Boccuzzi me inquietou, Guilherme Mendonça, no mesmo encontro, não deixou por menos: aqui prevalecem as incertezas dos empreendedores dispostos às oportunidades das smart grids, porque o governo (Mdic, Ciência e Tecnologia e outros no Planalto) segue desarticulado no assunto. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ainda não incorporou o novo mundo aos seus planos decenais. A obsessão é evitar apagão, o que é um olhar pobre do problema.
Mendonça enfatizou a era da urbanização mundial, numa sociedade digital. Metade da humanidade viverá em cidades até 2030. Dois novos humanos aparecem nas cidades a cada segundo. O incremento de energia deve ser de 63% até 2030 ou mais 33 terawatts-hora (TWh).
Na Alemanha já há 17 gigawatts (GW) solares, com desembolsos assistenciais do tesouro da ordem de 900 milhões de euros no programa. E aqui? Onde estão as oportunidades? O metrô de São Paulo opera a linha amarela a distância. As usinas do rio Madeira também serão operadas a distância. As linhas de transmissão modernas no Brasil nascem com teles e fibras óticas nos projetos.
Portanto, o desafio maior reside nas distribuidoras brasileiras, enquanto, por ora, o seu futuro é imprevisível. Nem mesmo se sabe seus dias expirando as atuais concessões... Autor: Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor e escritor. (DCI)
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