sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Apagões mais longos deixam país sem luz 18 horas por ano

Brasília - A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), governos estaduais e grandes indústrias entraram em estado de alerta com o nível de apagões registrados nos últimos três anos. Com atrasos em 48% das obras no sistema de transmissão e fenômenos climáticos que atingem com força a rede de distribuição, cada brasileiro fica, em média, 18,52 horas por ano sem luz, segundo dados levantados até junho pela Aneel.

Pelo terceiro ano seguido, a duração das interrupções no fornecimento de energia elétrica supera o número máximo de horas permitido às empresas distribuidoras, além de manter-se 12% acima do verificado em 2008. Das cinco regiões do país, só o Sul e o Centro-Oeste melhoraram seus indicadores desde então. "Essa trajetória tem nos preocupado", reconhece Romeu Donizete Rufino, diretor da Aneel. "Houve certo descuido de algumas empresas com mais ações de manutenção preventiva e com o nível de investimento."

Um sintoma da deterioração na qualidade do fornecimento é que deverão encostar em R$ 390 milhões, nos cálculos de Rufino, as compensações pagas aos consumidores pela interrupção do serviço em 2011. No ano passado, as compensações alcançaram R$ 360 milhões. Antes disso, as distribuidoras pagavam multas pelo descumprimento dos indicadores de frequência e de duração dos apagões. O sistema de cobrança mudou e a transgressão dos limites definidos pela agência passou a gerar ressarcimento diretamente aos consumidores.

Dados do Ministério de Minas e Energia reforçam essa percepção. Os boletins mensais de monitoramento do sistema elétrico demonstram que o número de ocorrências com cortes de luz superiores a 15 megawatts (MW) tem diminuído, mas esses cortes no fornecimento incidem sobre cargas cada vez maiores. Entre janeiro e agosto de 2008, houve 301 apagões, que geraram quedas de 24.118 MW. Já nos oito primeiros meses deste ano, o número de apagões caiu para 211, mas eles tiveram dimensão maior: a carga foi de 29.097 MW.

Os problemas alteram o ânimo da indústria. De acordo com levantamento da Abrace, entidade que congrega 50 grandes consumidores industriais de energia elétrica, 64% das empresas consultadas se dizem insatisfeitas com a qualidade do serviço. "Há um sentimento de que o serviço está piorando", diz diretor técnico e regulatório da Abrace, Luciano Pacheco. Ele lembra que cortes com duração inferior a três minutos nem sequer são contabilizados pela Aneel, embora possam causar transtornos a siderúrgicas e a fabricantes de produtos químicos e de vidro.

"Não só apagões, mas desligamentos de poucos segundos, e até mesmo variações de tensão que passam despercebidas em uma residência, podem prejudicar nossas operações", conta André Gohn, diretor de energia da Braskem. Uma unidade da empresa petroquímica em Camaçari, na Bahia, demorou 45 dias para restabelecer completamente a produção, depois do apagão que atingiu quase todo o Nordeste em fevereiro passado.

Esse período foi necessário para trocar peças - muitas importadas - danificadas durante o apagão. Até os microdesligamentos ou "piscas", como Gohn classifica as interrupções de poucos segundos, podem causar entupimento de tubulações e fechamento repentino de válvulas. "Trabalhamos com fluxos contínuos e produtos químicos podem se solidificar com quedas bruscas de luz."

Os números delimitam claramente três períodos distintos no que se refere à qualidade do serviço. No primeiro, que abrange a segunda metade da década de 90 e vai até 2001, a frequência e a duração dos cortes no fornecimento despencaram. Após uma alta súbita em 2002, durante o racionamento de energia, houve novo ciclo de queda. A partir de 2007, quando a duração dos apagões parou de cair, e de 2008, quando subiu novamente até se estabilizar em outro patamar, o terceiro período foi inaugurado.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) destaca que a rede de transmissão cresceu 36% desde 2002 e alcançou 100 mil quilômetros de linhas com alta tensão (igual ou superior a 230 kV). A previsão é chegar a 116 mil quilômetros em 2012. Mesmo assim, segundo o ONS, o país atingiu níveis recordes de "robustez" para o sistema. De cada cem perturbações (condições anormais de operação), somente cinco resultam hoje em corte de carga, índice jamais registrado anteriormente.

Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as dimensões continentais e a magnitude do sistema de transmissão no país dificultam a operação. "Na Europa, a queda de uma linha faz com que outra seja imediatamente acionada. Aqui, temos poucas redes alternativas."

Castro identifica outros dois problemas relacionados aos deságios nos leilões de concessão de novas linhas de transmissão, que atingiram 26% na última década, em média. Ao baixar as receitas estimadas durante a concessão, empresas vencedoras dos leilões podem estar usando equipamentos mais baratos e de menor qualidade. Além disso, com a multiplicação de empresas operando lotes próximos uns dos outros, a padronização de equipamentos se torna mais complicada e pode gerar ruído no "encontro" de linhas de transmissão em uma subestação.

No caso da distribuição, um estudo recente do Gesel detalhou os resultados de nove grandes empresas do setor em 2009 e constatou que "níveis tão altos de lucratividade sobre o patrimônio líquido são raros", com indícios de que as tarifas atuais estariam elevadas. "Tem prevalecido, nas distribuidoras, uma preocupação muito maior com questões financeiras do que com as operacionais", afirma Castro.

O professor da UFRJ pondera que, apesar dos problemas, a fotografia não é ruim quando observada de forma mais ampla. "Se tirarmos a lupa e olharmos o setor elétrico como um todo, vemos que ele é consistente e está bem estruturado, quando o comparamos com outros países."

Mas é difícil aplacar as reclamações dos governos estaduais. "Precisamos de mais fiscalização preventiva, em vez de ter só fiscalização corretiva", afirma Arnaldo Silva Neto, subsecretário de Energia Elétrica do Estado de São Paulo. Ele expõe a impossibilidade de fazer isso com o quadro de pessoal atualmente disponível.


O governo de São Paulo tem 16 fiscais para inspecionar regularmente 28 empresas distribuidoras - 14 concessionárias e 14 permissionárias de tamanho reduzido. Por meio de um convênio com a Aneel, a agência paulista de regulação nas áreas de saneamento e energia (Arsesp) ficou responsável pela fiscalização do setor, mas recebe apenas uma pequena fatia dos encargos destinados a essa finalidade.

"O Estado recolhe R$ 100 milhões por ano em taxas de fiscalização cobradas nas contas de luz dos consumidores. Mas recebemos só R$ 4 milhões de volta da União", queixa-se o subsecretário. Segundo ele, há conversas preliminares com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para que atividades de fiscalização sejam contempladas com verbas do Orçamento estadual, em 2012. A secretaria pede R$ 3 milhões para elevar a equipe para 30 fiscais. (Valor Econômico)


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