As distribuidoras de energia elétrica que deixarem de fazer investimentos e piorarem a qualidade do serviço prestado ao consumidor terão a tarifa reduzida. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está criando um indicador que captará a evolução da qualidade do serviço. Se de um ano para outro a qualidade tiver piorado, o reajuste das tarifas da concessionária ficará menor.
Em entrevista ao Estado, Julião Coelho, diretor da Aneel, revelou que será a primeira vez que haverá uma relação direta entre qualidade e tarifa nos cálculos de reajuste do preço da energia elétrica cobrada do consumidor. "Vamos estabelecer um índice, denominado Xq, que vai pressionar as empresas a não inibir investimentos", avisou Coelho. "Se a concessionária deixar de realizar investimento, no reajuste já vamos identificar isso e reduziremos a tarifa, caso a qualidade tenha se deteriorado."
O diretor da Aneel considera fundamental o mecanismo para tornar compatível a qualidade do serviço com a tarifa, fazendo com que o investimento da distribuidora tenha "prêmio ou perda" associado ao reajuste. "Se uma empresa teve deterioração de qualidade, o Xq aumenta e a tarifa cai. Se o serviço é melhor, natural que a tarifa seja maior. Assim, temos uma remuneração (da tarifa) compatível com o serviço prestado", ressaltou.
Lucro artificial. Na metodologia atual, como os aportes das companhias em um ano só são contabilizados na revisão dos parâmetros de reajuste de tarifas - a cada quatro anos -, Coelho observou que algumas empresas criam um "lucro artificial", reduzindo investimentos e distribuindo mais dividendos.
"Se uma empresa que no ciclo passado reduziu investimento e distribuiu dividendos fizer isso no ciclo seguinte, consequentemente vai ter deterioração da qualidade, e essa situação já será identificada a cada reajuste", alertou o diretor. Coelho explica que a nova metodologia será um "mecanismo de incentivo" para evitar que a redução de investimento seja instrumento de "lucro artificial" e de distribuição de mais dividendos.
O indicador criado pela Aneel faz parte dos parâmetros para reajustar as tarifas de energia elétrica dos próximos cinco anos, denominado terceiro ciclo de revisão tarifária, que será julgado pela diretoria do órgão regulador em 1.º de novembro.
As novas regras serão definidas pela Aneel com quase um ano de atraso. O terceiro ciclo era para ter sido definido no fim de 2010, para vigorar nas revisões previstas para 2011, que na prática só terão efeito em 2012.
Por causa desse atraso, as distribuidoras Eletropaulo, CPFL Piratininga, Elektro e Bandeirante Energia, que atendem o Estado de São Paulo, além das Centrais Elétricas do Pará (Celpa) e da Companhia Energética do Ceará (Coelce), que tinham revisão prevista para este ano, tiveram as tarifas "congeladas".
Empresas dizem que já indenizam consumidores quando há infração de índices de qualidade
As distribuidoras de energia criticaram a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de criar um novo indicador de qualidade que pode reduzir os reajustes de tarifas. Para o presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, o mecanismo pune duplamente as empresas.
Atualmente, ao infringirem os índices de qualidade da Aneel, as concessionárias têm de pagar compensações aos consumidores. Só no primeiro semestre, foram R$ 163,77 milhões pagos em indenizações. A adoção do novo indicador resultaria em outra perda para as empresas.
A aplicação do mecanismo também contraria, segundo Leite, as regras dos contratos de concessão. "O indicador será definido em cada reajuste. Pelo contrato de concessão, teria de ser estabelecido no início do ciclo." O ciclo de revisão tarifária fixa, de cinco em cinco anos, as regras que serão aplicadas nos reajustes anuais de preços.
Para Julião Coelho, diretor da Aneel, a importância do novo indicador é criar uma correlação inédita entre a qualidade dos serviços prestados pelas distribuidoras e o preço cobrado pelos serviços, algo que os atuais índices não conseguem fazer.
Críticas. O novo indicador é apenas mais um ponto de atrito entre a agência reguladora e as empresas do setor elétrico. As distribuidoras não poupam críticas às regras, em estudo pela Aneel, que vão balizar os reajustes das tarifas elétricas nos próximos cinco anos. As companhias alegam que a implantação dos parâmetros propostos provocará uma queda significativa na geração de caixa, comprometendo assim investimentos futuros.
Os principais "pontos da discórdia" são a redução da taxa de remuneração dos ativos das distribuidoras - conhecida como WACC - de 9,95% para 7,15% e a elevação do índice que repassa aos consumidores os ganhos de produtividade das empresas, o chamado Fator X, de 0,4% para 3,3%. Cálculos da Abradee estimam que a mudança desses dois parâmetros reduziria os investimentos de R$ 7 bilhões anuais para cerca de R$ 3 bilhões.
Sem consenso. A mudança dos parâmetros de reajuste é tão polêmica que não há consenso nem entre pesquisadores de renomadas universidades. O professor Nivalde de Castro e os pesquisadores Roberto Brandão e Luiz Ozório, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, divulgaram um estudo em junho em que afirmam que as mudanças propostas pela Aneel não devem diminuir a capacidade de investir das distribuidoras.
A pedido da Abradee, os professores Vinícius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello, do Departamento de Economia da PUC-Rio, analisaram o estudo e rebateram a tese apresentada. Para os pesquisadores do Gesel, as empresas teriam apenas de diminuir o montante pago aos acionistas para bancar os investimentos futuros.
O professor Mello afirma que os parâmetros do Gesel não são suficientes para calcular a lucratividade das distribuidoras e permitir uma redução para compensar os consumidores sem comprometer investimentos. "A Aneel está correndo um risco muito grande ao apertar a base de lucro das empresas. Todo mundo vai gostar de pagar uma tarifa mais barata, mas no futuro podemos pagar um preço bem mais alto." (O Estado de S. Paulo)
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