Entrevista com Nelson Leite, presidente da Abradee.
Além de alvo do Legislativo pelo suposto erro no cálculo das tarifas de energia, que teria onerado os consumidores em R$ 7 bilhões, as distribuidoras de energia elétrica têm sido criticadas pelo aumento das interrupções no fornecimento. Para sensibilizar deputados e dialogar com a Aneel a fim de garantir a rentabilidade do segmento, a Abradee, que reúne as maiores distribuidoras do país, mudou sua sede do Rio de Janeiro para Brasília e também seu comando, hoje a cargo de Nelson Leite. Às vésperas do terceiro ciclo de revisões tarifárias, o executivo ressalta que as companhias precisarão investir anualmente R$ 11 bilhões até 2014 para atender ao crescimento do país. “Se houver redução do Ebitda, as empresas não terão como fazer esses investimentos.”
O que motivou as mudanças na Abradee?
Nos últimos dois anos o setor elétrico passou por uma exposição muito grande na mídia. Houve a necessidade de renegociar os contratos de concessão com a Aneel, em virtude do suposto erro de cálculo nos encargos cobrados, levantado pela CPI das Tarifas. Diante disso, o conselho diretor da Abradee decidiu reforçar as ações de cunho parlamentar. A associação era reconhecida por sua capacidade técnica, mas sua atuação parlamentar era fraca. Por isso mudamos a sede para Brasília, para ficarmos mais próximos do poder concedente e dos parlamentares.
Nos últimos dois anos o setor elétrico passou por uma exposição muito grande na mídia. Houve a necessidade de renegociar os contratos de concessão com a Aneel, em virtude do suposto erro de cálculo nos encargos cobrados, levantado pela CPI das Tarifas. Diante disso, o conselho diretor da Abradee decidiu reforçar as ações de cunho parlamentar. A associação era reconhecida por sua capacidade técnica, mas sua atuação parlamentar era fraca. Por isso mudamos a sede para Brasília, para ficarmos mais próximos do poder concedente e dos parlamentares.
A Abradee vai abrir mão da parte técnica para priorizar a política?
Vamos tentar manter as duas correntes. Mantivemos todos os grupos de trabalho técnicos, coordenados pelas associadas.
Vamos tentar manter as duas correntes. Mantivemos todos os grupos de trabalho técnicos, coordenados pelas associadas.
A questão das concessões também ajudou nessa mudança?
Sim. Este ano temos três grandes temas no setor elétrico: a renovação das concessões, o terceiro ciclo de revisões tarifárias das distribuidoras, que cria um impacto enorme em nosso negócio, e a tentativa da Câmara dos Deputados de derrubar a decisão da Aneel de não cobrar os valores retroativos relativos à neutralidade da parcela A.
Sim. Este ano temos três grandes temas no setor elétrico: a renovação das concessões, o terceiro ciclo de revisões tarifárias das distribuidoras, que cria um impacto enorme em nosso negócio, e a tentativa da Câmara dos Deputados de derrubar a decisão da Aneel de não cobrar os valores retroativos relativos à neutralidade da parcela A.
Como a assessoria parlamentar da Abradee pretende sensibilizar os deputados?
Estamos produzindo documentos técnicos e jurídicos para levar ao conhecimento deles e mostrar que a cobrança retroativa configura uma quebra de contrato. A presidente Dilma Rousseff disse, no dia em que tomou posse, que o Brasil não iria quebrar nenhum contrato. Estamos apresentando toda a nossa argumentação em cima disso. Para nós é um mantra.
Estamos produzindo documentos técnicos e jurídicos para levar ao conhecimento deles e mostrar que a cobrança retroativa configura uma quebra de contrato. A presidente Dilma Rousseff disse, no dia em que tomou posse, que o Brasil não iria quebrar nenhum contrato. Estamos apresentando toda a nossa argumentação em cima disso. Para nós é um mantra.
O fato de a presidente ser especialista no setor tranquiliza?
Sim, por ser uma pessoa que conhece o setor e é a “mãe” do atual modelo elétrico. Dilma tem um compromisso de fazer com que esse modelo dê certo, sem falta de energia e buscando a modicidade tarifária. Ela tem zelado por isso, ao mesmo tempo que sabe que o setor de energia é intensivo em investimentos. E não se consegue atrair investimentos se não houver garantia de estabilidade regulatória. Esses deputados não estão fazendo esse barulho todo pelo valor. O montante dá 0,36% a mais no faturamento das empresas, mas o governo está renovando a RGR, que dá 2% a mais.
Sim, por ser uma pessoa que conhece o setor e é a “mãe” do atual modelo elétrico. Dilma tem um compromisso de fazer com que esse modelo dê certo, sem falta de energia e buscando a modicidade tarifária. Ela tem zelado por isso, ao mesmo tempo que sabe que o setor de energia é intensivo em investimentos. E não se consegue atrair investimentos se não houver garantia de estabilidade regulatória. Esses deputados não estão fazendo esse barulho todo pelo valor. O montante dá 0,36% a mais no faturamento das empresas, mas o governo está renovando a RGR, que dá 2% a mais.
A reclamação dos deputados, então, é demagógica?
Sim. Até porque nove distribuidoras tiveram variação negativa de mercado, e os clientes teriam de devolver dinheiro para elas. Seria um tiro no pé. Mas o principal é que seria uma ruptura de contratos. A Procuradoria da República reconheceu que só poderia ser feita uma modificação através de uma negociação bilateral do contrato de concessão. Foi o que a Aneel fez em fevereiro de 2010. Todo o mundo assinou o aditivo, e a partir daí se mudou a fórmula. Cobrança retroativa, porém, significa quebra de contrato.
Sim. Até porque nove distribuidoras tiveram variação negativa de mercado, e os clientes teriam de devolver dinheiro para elas. Seria um tiro no pé. Mas o principal é que seria uma ruptura de contratos. A Procuradoria da República reconheceu que só poderia ser feita uma modificação através de uma negociação bilateral do contrato de concessão. Foi o que a Aneel fez em fevereiro de 2010. Todo o mundo assinou o aditivo, e a partir daí se mudou a fórmula. Cobrança retroativa, porém, significa quebra de contrato.
Pior que o impacto financeiro seria abrir um precedente regulatório?
Aumentaria o risco regulatório e, com isso, o custo do capital para as empresas, porque os financiadores exigiriam mais garantias, elevando o custo dos financiamentos. E o aumento do custo do capital significaria que as tarifas também iriam aumentar.
Aumentaria o risco regulatório e, com isso, o custo do capital para as empresas, porque os financiadores exigiriam mais garantias, elevando o custo dos financiamentos. E o aumento do custo do capital significaria que as tarifas também iriam aumentar.
As interrupções no fornecimento aumentaram nos últimos anos. As distribuidoras estão investindo menos?
Há uma conjunção de fatores, mas as mudanças climáticas estão causando fenômenos cada vez mais intensos e frequentes. A quantidade de alagamentos, ventos e quedas de árvore em cima da rede aumentou muito, a própria população constata isso. Não é uma questão que impacta somente a infraestrutura elétrica, mas a infraestrutura geral. E há também o envelhecimento da rede, que requer mais investimentos para reposição desses ativos. As distribuidoras estão investindo nisso.
Há uma conjunção de fatores, mas as mudanças climáticas estão causando fenômenos cada vez mais intensos e frequentes. A quantidade de alagamentos, ventos e quedas de árvore em cima da rede aumentou muito, a própria população constata isso. Não é uma questão que impacta somente a infraestrutura elétrica, mas a infraestrutura geral. E há também o envelhecimento da rede, que requer mais investimentos para reposição desses ativos. As distribuidoras estão investindo nisso.
Há equilíbrio entre o nível de investimento e a modicidade tarifária?
Hoje, sim. Nos últimos quatro anos as distribuidoras investiram, em média, R$ 7 bilhões anuais, valor que representa 110% da cota de depreciação dos ativos dessas empresas. Ou seja, para cada R$ 100 de ativos que atingem o fim de vida útil, as empresas estão colocando 10% a mais. Mas se a economia crescer 5% ao ano de hoje até 2014, teremos de investir R$ 11 bilhões por ano a fim de garantir o fornecimento para a Copa do Mundo. Se as empresas tiverem redução do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) ao longo destes anos, não terão condições de fazer esses investimentos.
Hoje, sim. Nos últimos quatro anos as distribuidoras investiram, em média, R$ 7 bilhões anuais, valor que representa 110% da cota de depreciação dos ativos dessas empresas. Ou seja, para cada R$ 100 de ativos que atingem o fim de vida útil, as empresas estão colocando 10% a mais. Mas se a economia crescer 5% ao ano de hoje até 2014, teremos de investir R$ 11 bilhões por ano a fim de garantir o fornecimento para a Copa do Mundo. Se as empresas tiverem redução do Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) ao longo destes anos, não terão condições de fazer esses investimentos.
Mas as distribuidoras devem ter perda no terceiro ciclo de revisões tarifárias.
Estamos discutindo com a Aneel a metodologia de cálculo da revisão. A agência sinalizou inicialmente uma perda da receita da ordem de R$ 5 bilhões por ano, porém já conseguimos convencê-la de que exagerou na dose.
Que índice de retorno a Abradee propõe para a revisão?
O WACC (sigla em inglês para Custo Médio Ponderado de Capital) do ciclo passado era de 9,95%. A Aneel propôs baixá-lo para 7,15%. Mostramos que esse número é muito baixo. Os títulos do Tesouro rendem quase isto, sem risco nenhum. Quem vai deixar de colocar dinheiro nos títulos do Tesouro, que dão valor próximo de 7%, para aplicar no setor elétrico a 7,15%, com risco de inadimplência, furto de energia, etc.?
O WACC (sigla em inglês para Custo Médio Ponderado de Capital) do ciclo passado era de 9,95%. A Aneel propôs baixá-lo para 7,15%. Mostramos que esse número é muito baixo. Os títulos do Tesouro rendem quase isto, sem risco nenhum. Quem vai deixar de colocar dinheiro nos títulos do Tesouro, que dão valor próximo de 7%, para aplicar no setor elétrico a 7,15%, com risco de inadimplência, furto de energia, etc.?
Qual seria o número ideal?
Seria próximo dos 9,95%. No Canadá, com economia muito mais estável que a nossa, a BC Hydro tem um custo médio ponderado de capital de 9,3%. E o Brasil tem um risco maior. Sabemos que o risco Brasil caiu nos últimos anos em função da estabilidade da economia, mas 7,15% de WACC é exagerado. Há um número no meio desse caminho que satisfaz a todos.
Seria próximo dos 9,95%. No Canadá, com economia muito mais estável que a nossa, a BC Hydro tem um custo médio ponderado de capital de 9,3%. E o Brasil tem um risco maior. Sabemos que o risco Brasil caiu nos últimos anos em função da estabilidade da economia, mas 7,15% de WACC é exagerado. Há um número no meio desse caminho que satisfaz a todos.
A Aneel prevê a revisão do Fator-X (redutor de tarifa) anualmente. Isso é ruim para as distribuidoras?
Isso fere os contratos de concessão e desestimula as empresas a buscarem ganhos de eficiência. A empresa investe em medidores, rede antifurto e, com isso, incrementa sua venda de energia. Esse incremento só será captado em sua revisão tarifária posterior. Então a distribuidora leva três, quatro anos para se apropriar dos ganhos desse mercado e pagar o investimento. Se isso for capturado todos os anos, não dá tempo para pagar o investimento.
Isso fere os contratos de concessão e desestimula as empresas a buscarem ganhos de eficiência. A empresa investe em medidores, rede antifurto e, com isso, incrementa sua venda de energia. Esse incremento só será captado em sua revisão tarifária posterior. Então a distribuidora leva três, quatro anos para se apropriar dos ganhos desse mercado e pagar o investimento. Se isso for capturado todos os anos, não dá tempo para pagar o investimento.
Essa decisão será revista?
Sim. Não há a menor lógica em isso prevalecer.
Sim. Não há a menor lógica em isso prevalecer.
Com tantos assuntos pendentes, existe risco de a revisão tarifária atrasar?Como de criou uma grande discussão no setor, a Aneel resolveu não fazer uma revisão provisória para as empresas que teriam revisão este ano (Coelce, AES Eletropaulo, Elektro, Celpa e Bandeirante). A agência resolveu fazer a revisão dessas empresas em novembro, retroativamente. É como se a tarifa ficasse congelada durante esse período.
Qual é a visão da Abradee sobre o término das concessões em 2015?
Algumas distribuidoras que foram privatizadas assinaram contrato de concessão por 30 anos. Para elas isso não é problema. Mas 80% delas têm contrato de concessão vencendo em 2015, e a maioria delas é concessão do próprio governo federal ou controlada por governos estaduais. Acredito que o governo federal não vai licitá-las por uma questão ideológica. Dilma não vai querer passar para a história como a presidente que privatizou o que restava do setor de distribuição no Brasil. Eles vão encontrar uma maneira de prorrogar as concessões.
Algumas distribuidoras que foram privatizadas assinaram contrato de concessão por 30 anos. Para elas isso não é problema. Mas 80% delas têm contrato de concessão vencendo em 2015, e a maioria delas é concessão do próprio governo federal ou controlada por governos estaduais. Acredito que o governo federal não vai licitá-las por uma questão ideológica. Dilma não vai querer passar para a história como a presidente que privatizou o que restava do setor de distribuição no Brasil. Eles vão encontrar uma maneira de prorrogar as concessões.
Que maneira seria essa?
Mudar a lei. Como o governo tem maioria no Congresso, mudar a lei não será tão difícil. Permite-se a prorrogação do contrato, com cláusulas novas, buscando a modicidade tarifária. E aí está a grande discussão. A Abradee vai trabalhar com as distribuidoras porque temos de defender a sustentabilidade do negócio. Não podemos ter prorrogação de concessões de maneira insustentável.
Mudar a lei. Como o governo tem maioria no Congresso, mudar a lei não será tão difícil. Permite-se a prorrogação do contrato, com cláusulas novas, buscando a modicidade tarifária. E aí está a grande discussão. A Abradee vai trabalhar com as distribuidoras porque temos de defender a sustentabilidade do negócio. Não podemos ter prorrogação de concessões de maneira insustentável.
Também há o problema da energia descontratada em 2013 e que está indo para o mercado livre.
É outro tema que teremos de discutir, porque precisamos estudar qual será o impacto disso na tarifa. E aí os contratos de concessão deverão estar definidos com as geradoras. Como as geradoras vão vender energia no longo prazo se o contrato de concessão terminar em 2015?
É outro tema que teremos de discutir, porque precisamos estudar qual será o impacto disso na tarifa. E aí os contratos de concessão deverão estar definidos com as geradoras. Como as geradoras vão vender energia no longo prazo se o contrato de concessão terminar em 2015?
O governo pode usar a venda da energia como base de troca para a prorrogação da concessão?
Na geração, o governo pode criar mecanismos para obter modicidade tarifária na renovação dos contratos de concessão. Na distribuição não acredito, porque já temos um mecanismo de revisão tarifária periódica.
Na geração, o governo pode criar mecanismos para obter modicidade tarifária na renovação dos contratos de concessão. Na distribuição não acredito, porque já temos um mecanismo de revisão tarifária periódica.
O que pode ser colocado nesse novo contrato com as distribuidoras?
Algum parâmetro de eficiência, redução de perdas, algo assim. Mas não vejo como sair muito do arcabouço legal no qual estamos. A regulamentação do setor de distribuição já é muito boa. A qualidade do serviço melhorou muito. É verdade que em 2010 piorou em relação a 2009. Mas, se pegarmos um período histórico maior, nos últimos 12 anos a frequência de interrupções no Brasil, que era da ordem de 20 interrupções por ano por consumidor, caiu para 12. Nesses últimos dois anos, tivemos “soluços”, mas, se olharmos no longo prazo, a qualidade melhorou.
Algum parâmetro de eficiência, redução de perdas, algo assim. Mas não vejo como sair muito do arcabouço legal no qual estamos. A regulamentação do setor de distribuição já é muito boa. A qualidade do serviço melhorou muito. É verdade que em 2010 piorou em relação a 2009. Mas, se pegarmos um período histórico maior, nos últimos 12 anos a frequência de interrupções no Brasil, que era da ordem de 20 interrupções por ano por consumidor, caiu para 12. Nesses últimos dois anos, tivemos “soluços”, mas, se olharmos no longo prazo, a qualidade melhorou.
Distribuição ainda é um bom negócio no Brasil?
Até agora tem sido um bom negócio. Com as regras do terceiro ciclo, dependendo de como essa revisão sair no final, pode deixar de ser. O que queremos é que continue sendo um bom negócio, que tenha sustentabilidade. É um negócio regulado, que tem seus riscos, muito sujeito à eficiência da gestão. Distribuição pode ser uma oportunidade de ganhar dinheiro. E também de perdê-lo. (Revista Brasil Energia)
Até agora tem sido um bom negócio. Com as regras do terceiro ciclo, dependendo de como essa revisão sair no final, pode deixar de ser. O que queremos é que continue sendo um bom negócio, que tenha sustentabilidade. É um negócio regulado, que tem seus riscos, muito sujeito à eficiência da gestão. Distribuição pode ser uma oportunidade de ganhar dinheiro. E também de perdê-lo. (Revista Brasil Energia)
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