A indústria vê com grande otimismo a publicação, em março último, da portaria nº 73 do Ministério de Minas e Energia (MME), que abre a possibilidade de cessão de excedentes de energia contratados por consumidores livres e especiais. Entre os motivos para essa perspectiva positiva está o preenchimento de uma lacuna muito importante nas possibilidades de gerenciamento dos contratos de energia por parte dos consumidores.
Mas, apesar do viés, ainda são necessários alguns ajustes nas premissas estabelecidas pelo governo para garantir que essa sistemática funcione adequadamente e realmente represente avanços para o setor. As propostas da ABRACE para a portaria de transferência de excedentes estão entre os temas a serem abordados durante o Enerlivre (Encontro de Negócios entre Agentes do Mercado de Livre Contratação de Energia), que acontece nos dias 1 e 2 de junho, em São Paulo.
Em primeiro lugar, é preciso que as novas regras eliminem a diferenciação de tratamento entre contratos firmados com empreendimentos em regime de concessão e de autorização, bem como a determinação de um prazo de cinco anos para o repasse de até 100% do valor do contrato.
De acordo com as premissas atuais, se a energia contratada é proveniente de usinas cuja outorga se deu por concessão, as cedentes podem repassar em até cinco anos o valor do contrato (desde que o mesmo tenha validade por este período de tempo). Quando a energia contratada é de empreendimentos outorgados por autorização, esse prazo cai para três anos.
Além disso, faz mais sentido, tecnicamente e economicamente falando, que o Brasil adote uma norma que garanta flexibilidade na gestão desses acordos de cessão de excedentes.
Ou seja, é preciso permitir a cessão da energia sem prazos pré-determinados, podendo ocorrer por períodos inferiores ao tempo de validade dos contratos e até mesmo com a possibilidade de retomada do contrato pelo cedente, se houver concordância entre os envolvidos na negociação.
Outra alteração necessária é a supressão de limites de cessão de carga. A portaria estabelece faixas máximas de cessão por tipo de contrato conforme os períodos de validade. Por exemplo, empresas que tenham contratos de dois anos poderiam ceder até 10% da energia contratada; aquelas cujos contratos vão de dois a cinco anos podem ceder até 20% do total; por sua vez, para contratos de 5 a 10 anos o percentual disponível para cessão chega a 50%; e, no caso de contratos de prazo superior a 10 anos, é possível ceder até 100% da carga. Sem esses parâmetros, a nova regra traria muito mais flexibilidade aos consumidores livres.
Além disso, a alteração proposta no modelo de registro dos contratos na CCEE para ex-ante, sobre uma presunção do consumo futuro, também preocupa. Atualmente, os registros são ex-post, ou seja, depois de consumida a energia, verifica-se o consumo e define-se a necessidade de adequação da carga, conforme a empresa tenha consumido mais ou menos do que o contratado.
Essa mudança não é adequada porque prever o consumo de energia de uma indústria é algo muito complicado e a tendência será a de se contratar sempre mais do que o necessário.
Por fim, é preciso lembrar que a venda dos excedentes de energia dos consumidores livres não é uma forma de a indústria especular com seus contratos de energia, mas de se proteger contra possíveis perdas com expectativas de produção não confirmadas e melhorar suas condições de gestão.
Nesse sentido, é compreensível que a União queira instituir mecanismos para evitar a especulação no mercado energético, mas eles não são necessários. Afinal, já existem, na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), instrumentos para monitorar as negociações e prevenir condutas inadequadas.
Posto isso, a ABRACE também recomenda que a transferência de energia entre empresas do mesmo grupo seja permitida e ilimitada. E vale reforçar: não há motivação de lucro na proposta de cessão de excedentes de energia. A indústria precisa apenas se proteger de perdas decorrentes de desequilíbrios entre a produção prevista e a confirmada.
Autor: Luciano Pacheco é diretor técnico-regulatório da ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres). (Energia Hoje)
Mas, apesar do viés, ainda são necessários alguns ajustes nas premissas estabelecidas pelo governo para garantir que essa sistemática funcione adequadamente e realmente represente avanços para o setor. As propostas da ABRACE para a portaria de transferência de excedentes estão entre os temas a serem abordados durante o Enerlivre (Encontro de Negócios entre Agentes do Mercado de Livre Contratação de Energia), que acontece nos dias 1 e 2 de junho, em São Paulo.
Em primeiro lugar, é preciso que as novas regras eliminem a diferenciação de tratamento entre contratos firmados com empreendimentos em regime de concessão e de autorização, bem como a determinação de um prazo de cinco anos para o repasse de até 100% do valor do contrato.
De acordo com as premissas atuais, se a energia contratada é proveniente de usinas cuja outorga se deu por concessão, as cedentes podem repassar em até cinco anos o valor do contrato (desde que o mesmo tenha validade por este período de tempo). Quando a energia contratada é de empreendimentos outorgados por autorização, esse prazo cai para três anos.
Além disso, faz mais sentido, tecnicamente e economicamente falando, que o Brasil adote uma norma que garanta flexibilidade na gestão desses acordos de cessão de excedentes.
Ou seja, é preciso permitir a cessão da energia sem prazos pré-determinados, podendo ocorrer por períodos inferiores ao tempo de validade dos contratos e até mesmo com a possibilidade de retomada do contrato pelo cedente, se houver concordância entre os envolvidos na negociação.
Outra alteração necessária é a supressão de limites de cessão de carga. A portaria estabelece faixas máximas de cessão por tipo de contrato conforme os períodos de validade. Por exemplo, empresas que tenham contratos de dois anos poderiam ceder até 10% da energia contratada; aquelas cujos contratos vão de dois a cinco anos podem ceder até 20% do total; por sua vez, para contratos de 5 a 10 anos o percentual disponível para cessão chega a 50%; e, no caso de contratos de prazo superior a 10 anos, é possível ceder até 100% da carga. Sem esses parâmetros, a nova regra traria muito mais flexibilidade aos consumidores livres.
Além disso, a alteração proposta no modelo de registro dos contratos na CCEE para ex-ante, sobre uma presunção do consumo futuro, também preocupa. Atualmente, os registros são ex-post, ou seja, depois de consumida a energia, verifica-se o consumo e define-se a necessidade de adequação da carga, conforme a empresa tenha consumido mais ou menos do que o contratado.
Essa mudança não é adequada porque prever o consumo de energia de uma indústria é algo muito complicado e a tendência será a de se contratar sempre mais do que o necessário.
Por fim, é preciso lembrar que a venda dos excedentes de energia dos consumidores livres não é uma forma de a indústria especular com seus contratos de energia, mas de se proteger contra possíveis perdas com expectativas de produção não confirmadas e melhorar suas condições de gestão.
Nesse sentido, é compreensível que a União queira instituir mecanismos para evitar a especulação no mercado energético, mas eles não são necessários. Afinal, já existem, na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), instrumentos para monitorar as negociações e prevenir condutas inadequadas.
Posto isso, a ABRACE também recomenda que a transferência de energia entre empresas do mesmo grupo seja permitida e ilimitada. E vale reforçar: não há motivação de lucro na proposta de cessão de excedentes de energia. A indústria precisa apenas se proteger de perdas decorrentes de desequilíbrios entre a produção prevista e a confirmada.
Autor: Luciano Pacheco é diretor técnico-regulatório da ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres). (Energia Hoje)