quinta-feira, 6 de maio de 2010

Belo Monte inconsistente

"A hidrelétrica de Manso deveria servir de exemplo para que Belo Monte não se constitua em mais um catatau da ambição desmedida do ter e ter mais"

As incongruências do projeto hidroelétrico de Manso, no Mato Grosso, servem de exemplo ilustrativo do que não deve ser aplicado no caso de Belo Monte, mega-hidrelétrica imaginada para o Rio Xingu no Pará. Com efeito, a aritmética simplérrima de custo-benefício não encoraja mais essa aventura tecnicista para a Amazônia Legal. Como outras tantas de triste memória, por seu resultado adverso ou arrematado fracasso. Sacrifício em vão – para nada! E que, de várias e variadas que foram, nem cabe enumerar.

Mas cabeça dura ou duríssimos interesses, em afronta ao bem comum ou em desafio ao bom senso, leva a mais esta polêmica, senão mesmo atentado à razão, assim como à sandice do “desenvolvimento” apressado e danoso! Desenvolvimento aspeado, ressalte-se, que atrasa e não adianta. E atropela – ao invés de beneficiar! Desenvolvimento às avessas, de custo impagável, imensurável e de pouco efeito, quando não somente a geração de passivos. Às vezes irreversíveis!

Quanto a Manso, sei do que falo pois pude acompanhar de muito perto. Uma obra dispendiosa e que quis justificar-se por seu multiuso, a saber: irrigação, navegação – pela regularização da vazão do rio; suprimento energético resolutivo, “racional” (???)...

Toda essa ideia foi à epoca desacreditada pelo respeitado hidrologista Domingos Iglesias Valério, em um relatório produzido por encomenda de sua universidade, a Federal de Mato Grosso. Entre outras conclusões, o professor mostrava que havia muito mais vantagem em se optar pela também projetada usina de Couto de Magalhães, a ser materializada com o represamento do Rio Araguaia, de maior corpo d`água e em trecho a isso propício.

Acrescente-se que o gigantismo de Manso, para água pouca, a tornaria de precária eficiência para seu elevado custo. E de duvidoso ou remoto multiuso, à hora tão propalado. Tudo mais virou história. E, consumatum est, “ipsis litteris”, aconteceu o que era previsto. Manso hoje é uma geratriz limitadíssima de energia, um imenso espelho d´agua suprimindo terras agricultáveis e criando problemas sociais na região. Virou mera área de lazer e contemplação para quem pode desfrutar do imenso lago.

Hoje, Belo Monte, no Vale do Xingu, é o empreendimento hidrelétrico grandioso que está em tela, ou melhor dizendo, em questão. O professor Iglesias já não mais vive entre nós e não podemos recorrer a seus préstimos técnico-científicos para instruir a decisão conveniente. Mas haverá certamente gente à altura da competência e da integridade do professor Iglesias. Para garantir que Belo Monte, mega-projeto hidrelétrico concebido (em pesadelo) para o Vale Xinguano, em pleno coração da Amazônia, não se constitua em mais um passivo desconsertante e desarrazoado. Mais um catatau da ambição desmedida do ter e ter mais – sem fim e nem princípios... (Tenho dito).

*João Vieira é professor-fundador da Universidade Federal de Mato Grosso (aposentado), onde lecionou Sociologia e dirigiu o Museu Rondon. (Congresso em Foco)


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