O setor elétrico tem papel estratégico e fundamental para a economia de qualquer país, à medida que a energia elétrica é insumo básico de processos industriais, do comércio e da vida cotidiana das famílias. Trata-se de um setor em que os investimentos são vultosos e demandam longo prazo para maturação e que, portanto, requer regras claras, estáveis e definidas com bastante antecedência.
Na década passada, o Brasil avançou bastante na regulação do setor elétrico. Nos segmentos de distribuição e transmissão, foram criadas metodologias de definição de tarifas que estimularam a busca contínua de ganhos de eficiência pelas concessionárias, parcialmente repassados aos consumidores. Além disso, a regulação bem estruturada e estável foi determinante para a realização de novos investimentos para expansão significativa da capacidade de transmissão e distribuição de energia no Brasil.
Quando as regras do jogo são conhecidas, mantidas e permitem um retorno adequado ao risco do negócio, os investidores sentem-se seguros para investir em projetos de longo prazo. A competição entre diversos investidores propiciada pelo bom ambiente regulatório se reverte em benefício econômico. Um investidor racional realizará um investimento de longo prazo apenas se tiver confiança de que receberá os fluxos de caixa futuros estimados. E, em setores regulados, esta confiança advém de um Estado que possui leis claras e que as faz cumprir com rigor e prontidão.
Experimentamos hoje uma perigosa indefinição regulatória no segmento de geração acerca das concessões de usinas estatais que vencem, em sua maioria, em 2015. Essas usinas representam cerca de 20% da capacidade de geração de energia elétrica no Brasil e pertencem a empresas da União (Eletrobrás) e dos Estados (Cesp, Cemig, Copel, entre outras). A incerteza quanto ao preço futuro de venda da energia dessas usinas faz com que grandes consumidores não busquem contratar antecipadamente a energia de que necessitarão no futuro, o que por sua vez freia investimentos em novas usinas. Dessa forma, a expansão de nossa capacidade de geração de energia não acompanha a demanda, expondo o país ao risco de apagão.
O apagão pelo qual passamos em 2001 teve um impacto significativo sobre o PIB brasileiro, tendo como consequência a perda de alguns anos na escalada rumo ao desenvolvimento. É um mal que deve e pode ser evitado. É de suma importância que o regulador (o governo) emita uma sinalização correta para os investidores. Essa sinalização é dada ao permitir-se que o preço de venda da energia das usinas novas e existentes possa convergir para o custo marginal de expansão do segmento.
O custo marginal de expansão é o preço que garante ao investidor em uma nova usina um retorno adequado ao risco do empreendimento, em condições normais, e não artificiais, de tributação e financiamento. No caso das usinas com concessão vincenda, o governo poderia criar um mecanismo para que a concessionária devolva parte de sua receita ao Estado, uma vez que a maior parte de seus investimentos já foram recuperados.
O leilão recente da megausina de Belo Monte deixou às claras a prioridade dada pelo governo ao baixo preço de geração de energia elétrica. Mesmo com todos os subsídios concedidos pelo Estado, importantes operadores privados do setor desistiram de participar do leilão, sinal da falta de atratividade econômica do projeto. O governo atuaria de forma mais eficiente para o desenvolvimento do país se, em vez de conceder onerosos subsídios para obter um preço artificialmente baixo, permitisse que os agentes do setor definissem de forma competitiva o preço. O governo poderia trocar os subsídios, que distorcem os preços e emitem sinais equivocados aos agentes, por desoneração da cadeia de energia elétrica, reduzindo impostos/encargos e, por consequência, o custo para o consumidor final. O governo estaria assim não só promovendo a tão decantada modicidade tarifária, mas também fincando as bases da segurança de suprimento de energia elétrica em nosso país.
No setor elétrico, segurança é a palavra-chave. O sentimento de segurança dos investidores privados advém de regras previamente definidas, claras, estáveis e respeitadas, e se traduz em contínuos investimentos fundamentais para que o insumo básico não falte. Nenhum governo consegue substituir os investidores privados no setor elétrico com eficiência, e o papel de um governo diligente é garantir as condições para que o investidor privado invista no setor.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações. AUTOR: Marcello Ganem é sócio da Oceana Investimentos (Valor Econômico)
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