Em 2015 vencem os prazos dos contratos de inúmeras concessões do setor elétrico. Pela legislação em vigor, há a expectativa de que tais concessões venham a ser licitadas pelo poder concedente. Na realidade, o problema é muito mais complexo do que parece à primeira vista.
Primeiro, o artigo 42 da Lei nº 8.987/95, que determinava a licitação ao fim do prazo de concessão, foi modificado pelo artigo 58 da Lei nº 11.445/07, a qual estabeleceu diretrizes para a prestação dos serviços de saneamento. Este novo dispositivo permite que, vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço possa ser prestado por órgão ou entidade do poder concedente. Ou seja, aparentemente criou-se uma opção à licitação.
Segundo, mais da metade das concessões cujos prazos estão vencendo no médio prazo pertencem a empresas estatais federais e estaduais. Como a privatização não faz parte da atual política econômica, é pouco provável que o governo venha a correr o risco de transferir as concessões em posse das suas estatais através de processo licitatório. Também não parece razoável que sejam utilizados critérios para as empresas públicas? Como a incorporação de suas concessões a uma empresa ligada ao poder concedente? Distintos daqueles a serem aplicados ao setor privado. Assim, se o governo buscar uma alternativa à licitação, ela deverá ser estendida às empresas privadas.
Terceiro, há regimes regulatórios distintos entre as concessionárias decorrentes do processo de privatização que não englobou o setor como um todo. As empresas que passaram pela desestatização assinaram novos contratos de concessão com previsão de prorrogação do seu prazo. Elas convivem com concessionárias que, ou já eram privadas, ou permaneceram estatais, mas que deveriam de toda forma se adaptar ao regime contratual imposto pela Constituição Federal. Para estas concessionárias ocorreu apenas uma passagem de um regime de outorga para o contratual com estabelecimento de um novo prazo de 20 anos de concessão, conforme art. 19 da Lei 9.074/95. Em consequência, há concessões cujos prazos vencem na década de 40 e outras vencendo em curto e médio prazo. Esta assimetria traz implicações para a concorrência no setor na medida em que algumas empresas não podem firmar contratos de venda de energia nos mesmos prazos que as que foram privatizadas.
Por fim, há questões operacionais que trazem grande complexidade ao processo de licitação. Destacam-se neste sentido o fato de que as concessões são ativos vinculados a empresas de capital aberto com cotação na Bolsa de Valores e a falta de regras bem definidas para a reversão dos bens à União. No primeiro caso, a dificuldade decorre do fato de que uma mesma empresa possui ativos com prazos de vencimento distintos e pela contabilização atual é muito complexa a tarefa de avaliar os preços das ações da empresa no caso dela “perder” um ativo numa licitação. Lembremos que na privatização, que foi realizada por meio de leilões, foi vendido o controle do capital de empresas, e não as concessões em si. No segundo caso, é preciso ressaltar que a prorrogação é uma opção do concessionário, e que para que ele a exerça conscientemente, deve saber de antemão o valor da reversão e da indenização dos bens não depreciados vis-à-vis os benefícios da prorrogação.
A incerteza regulatória termina por paralisar novos investimentos, prejudicando em última instância o usuário deste serviço público pela falta de aporte de recursos tanto em manutenção quanto em expansão do sistema elétrico brasileiro.
Tudo levado em consideração, o pêndulo parece pender a favor da prorrogação do prazo dessas concessões. Há necessidade de uniformizar e sistematizar o quadro regulatório do setor que convive com situações díspares, decorrentes de decisões regulatórias circunstanciais e de regras de transição.
Neste caso, uma mudança legislativa será necessária, e aí novos obstáculos deverão ser enfrentados. Especialmente, no que se refere à questão da constitucionalidade de uma norma que pode ser entendida como em desacordo à exigência constitucional prevista no artigo 175, a qual exige a licitação na delegação de serviços públicos.
Mas é preciso que se tenha em mente o interesse do usuário deste serviço, e que este objetivo seja temperado com razoabilidade com a exigência formal da licitação. Neste ponto, é importante ressaltar que as opções a serem buscadas pelo poder público devem levar em consideração o interesse público, destacando-se a busca de maior eficiência para o sistema como um todo, conciliando os objetivos de modicidade tarifária, prestação de serviço adequado e expansão da oferta de energia, sem se apegar apenas aos seus aspectos formais, como a licitação. Elena Landau é economista e advogada, sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes. (Valor Econômico)
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Proposta permite renovação de concessão de serviço público de energia sem licitação
Primeiro, o artigo 42 da Lei nº 8.987/95, que determinava a licitação ao fim do prazo de concessão, foi modificado pelo artigo 58 da Lei nº 11.445/07, a qual estabeleceu diretrizes para a prestação dos serviços de saneamento. Este novo dispositivo permite que, vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço possa ser prestado por órgão ou entidade do poder concedente. Ou seja, aparentemente criou-se uma opção à licitação.
Segundo, mais da metade das concessões cujos prazos estão vencendo no médio prazo pertencem a empresas estatais federais e estaduais. Como a privatização não faz parte da atual política econômica, é pouco provável que o governo venha a correr o risco de transferir as concessões em posse das suas estatais através de processo licitatório. Também não parece razoável que sejam utilizados critérios para as empresas públicas? Como a incorporação de suas concessões a uma empresa ligada ao poder concedente? Distintos daqueles a serem aplicados ao setor privado. Assim, se o governo buscar uma alternativa à licitação, ela deverá ser estendida às empresas privadas.
Terceiro, há regimes regulatórios distintos entre as concessionárias decorrentes do processo de privatização que não englobou o setor como um todo. As empresas que passaram pela desestatização assinaram novos contratos de concessão com previsão de prorrogação do seu prazo. Elas convivem com concessionárias que, ou já eram privadas, ou permaneceram estatais, mas que deveriam de toda forma se adaptar ao regime contratual imposto pela Constituição Federal. Para estas concessionárias ocorreu apenas uma passagem de um regime de outorga para o contratual com estabelecimento de um novo prazo de 20 anos de concessão, conforme art. 19 da Lei 9.074/95. Em consequência, há concessões cujos prazos vencem na década de 40 e outras vencendo em curto e médio prazo. Esta assimetria traz implicações para a concorrência no setor na medida em que algumas empresas não podem firmar contratos de venda de energia nos mesmos prazos que as que foram privatizadas.
Por fim, há questões operacionais que trazem grande complexidade ao processo de licitação. Destacam-se neste sentido o fato de que as concessões são ativos vinculados a empresas de capital aberto com cotação na Bolsa de Valores e a falta de regras bem definidas para a reversão dos bens à União. No primeiro caso, a dificuldade decorre do fato de que uma mesma empresa possui ativos com prazos de vencimento distintos e pela contabilização atual é muito complexa a tarefa de avaliar os preços das ações da empresa no caso dela “perder” um ativo numa licitação. Lembremos que na privatização, que foi realizada por meio de leilões, foi vendido o controle do capital de empresas, e não as concessões em si. No segundo caso, é preciso ressaltar que a prorrogação é uma opção do concessionário, e que para que ele a exerça conscientemente, deve saber de antemão o valor da reversão e da indenização dos bens não depreciados vis-à-vis os benefícios da prorrogação.
A incerteza regulatória termina por paralisar novos investimentos, prejudicando em última instância o usuário deste serviço público pela falta de aporte de recursos tanto em manutenção quanto em expansão do sistema elétrico brasileiro.
Tudo levado em consideração, o pêndulo parece pender a favor da prorrogação do prazo dessas concessões. Há necessidade de uniformizar e sistematizar o quadro regulatório do setor que convive com situações díspares, decorrentes de decisões regulatórias circunstanciais e de regras de transição.
Neste caso, uma mudança legislativa será necessária, e aí novos obstáculos deverão ser enfrentados. Especialmente, no que se refere à questão da constitucionalidade de uma norma que pode ser entendida como em desacordo à exigência constitucional prevista no artigo 175, a qual exige a licitação na delegação de serviços públicos.
Mas é preciso que se tenha em mente o interesse do usuário deste serviço, e que este objetivo seja temperado com razoabilidade com a exigência formal da licitação. Neste ponto, é importante ressaltar que as opções a serem buscadas pelo poder público devem levar em consideração o interesse público, destacando-se a busca de maior eficiência para o sistema como um todo, conciliando os objetivos de modicidade tarifária, prestação de serviço adequado e expansão da oferta de energia, sem se apegar apenas aos seus aspectos formais, como a licitação. Elena Landau é economista e advogada, sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes. (Valor Econômico)
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