quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Novo realismo tarifário na energia supera expectativas

O custo das medidas tomadas para consertar alguns dos erros do modelo criado para o setor elétrico em 2012 não para de subir. Para dar aos eleitores um abatimento de 20% na conta de luz daquele ano, o governo mudou várias regras, que criaram distorções e explicam boa parte da crise que o setor vive atualmente, agravada pela redução do regime de chuvas. A desmontagem de algumas medidas já produziu o aumento de 60% na tarifa de energia de algumas regiões.

As mudanças começaram quando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, há um mês, convenceu a presidente Dilma Rousseff de que não era possível fazer o aporte de R$ 9 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), como está previsto na proposta de orçamento deste ano enviada ao Congresso e ainda em tramitação. A CDE é um fundo setorial que bancou boa parte da política de redução da tarifa de energia no primeiro mandato de Dilma, manobra que transferiu o custo da conta de luz do consumidor para o contribuinte. Em troca, Levy pregou o “realismo tarifário”.

Inicialmente, calculava-se que a mudança de política elevaria a conta de luz em 30%; depois o aumento passou a ser estimado em 40%. Agora já chega a 60% em algumas regiões. A estimativa é que cada 1% de aumento na energia elétrica eleve a inflação em 0,03 ponto. O impacto não será desprezível e, com certeza, vai superar a expectativa do próprio Banco Central. Na ata da reunião do Copom de janeiro, o BC revisou sua projeção de 17% para 27,6% nas tarifas de energia neste ano, ainda assim abaixo do estimado nas discussões do governo.

A primeira pancada na tarifa foi o fim da cobertura pela CDE de subsídios na conta de luz, como o Programa Luz para Todos, as tarifas para a baixa renda e o combustível para as usinas da região Norte. E há a energia de Itaipu, calculada em dólares, que vem subindo com a depreciação do real e já soma R$ 4 bilhões. Outra despesa que será debitada nas tarifas é o pagamento do empréstimo de R$ 17,8 bilhões concedido às distribuidoras no ano passado para cobrir o custo da energia gerada pelas termelétricas.

Para não impactar as contas de luz antes das eleições, as distribuidoras receberam o crédito dos bancos, capitaneados pelas instituições públicas, e agora vão repassar essa despesa com juros e correção monetária aos consumidores ao longo de dois anos. A conta inclui ainda o reajuste anual das distribuidoras e o início da aplicação das bandeiras tarifárias, a mais recente pancada. O sistema de bandeira tarifária, que era para ter começado em 2014, mas também foi suspenso por causa das eleições, implica o repasse mensal para o consumidor das oscilações do preço da energia e não mais um ano depois de ocorrido, o que reduz as deficiências de caixa das distribuidoras.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou na sexta-feira aumento de 83% da bandeira vermelha e de 67% da amarela, surpreendendo o próprio ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, que esperava reajuste máximo de 50%. Há ainda faturas mais ou menos conhecidas, como o buraco de R$ 2,5 bilhões que as distribuidoras têm a pagar pela diferença do preço da energia em novembro e dezembro, objeto de queda de braço entre Braga, que quer novo empréstimo dos bancos públicos, e Levy.

Podem também acabar na conta do consumidor outras despesas criadas pelo modelo de energia de 2012. Uma delas é a indenização bilionária que o governo precisa pagar às empresas proprietárias das linhas de transmissão que aderiram ao esquema de renovação das concessões pelas regras fixadas em 2012, cujos valores serão auditados pela Aneel. E outra é o crescente rombo das geradoras, que não estão conseguindo entregar a energia prometida por causa do baixo nível dos reservatórios e têm que comprar contratos no mercado. Se este ano repetir 2014, o desembolso das geradoras pode superar R$ 20 bilhões.

O governo encara o problema como risco do negócio, mas há uma movimentação de bastidores por uma ajuda federal. Há ainda a perspectiva de as chuvas deste ano não serem suficientes para melhorar de modo significativo a situação dos reservatórios das usinas. Não basta, porém, o realismo tarifário e tratar apenas as sequelas do modelo de energia na estrutura de preços. A solução para restaurar o equilíbrio econômico e financeiro do setor de energia passa pela revisão de todo o modelo e um novo arranjo que lhe restaure o equilíbrio. (Valor Online)