quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ausência de medidas preventivas deixa situação crítica para ano de alta de tarifas

Ao não tomar medidas para estimular a redução do consumo de energia no ano passado, o governo terá uma tarefa mais árdua para incentivar o consumidor a racionalizar o uso da energia este ano, quando ao mesmo tempo haverá um reajuste tarifário superior a 20% e podendo chegar a 40%. A avaliação é de especialistas consultados pelo Valor e que defendem a adoção de ações de estímulo à economia de energia.

Segundo Priscila Lino, diretora da consultoria PSR, o risco de um racionamento de energia já supera 50% nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, devido aos baixos volumes de vazões registrados em janeiro e às sucessivas baixas nos níveis dos reservatórios hidrelétricos dessas regiões.

A estimativa atual, segundo Priscila, tem como base a informação hidrológica divulgada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) na última sexta-feira. Em dezembro, a consultoria previa um risco significativamente mais baixo, de 21%.

A estimativa, porém, é de “um indicador bastante dinâmico e fortemente influenciado pela evolução das condições de suprimento do sistema”, que incluem oferta e demanda, além da situação hidrológica, afirma Priscila.

Para contornar essa situação, é preciso implantar um programa de racionalização do uso da energia, com conscientização da população do uso adequado para poupar recursos naturais, diz ela. “Como o ‘tarifaço’ para repasse dos custos acumulados de 2013 e 2014 é inevitável, o governo precisa conscientizar a população de que a economia de energia é a solução para evitar problemas nos orçamentos familiares”.

Joísa Dutra, ex-diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV (FGV/CERI), concorda com essa avaliação. “O governo tem responsabilidade de propor realismo não apenas tarifário. Da mesma forma que se postergou essa questão do realismo tarifário, é importante que agora pelo menos se aprenda com isso. Se existem dificuldades [no suprimento], é preciso entender que existem benefícios em apresentar as condições aos consumidores”, explicou ela.

Joísa lembrou que, após a crise de 2001, foi observado o potencial de resposta do consumidor aos problemas do sistema. “A resposta da demanda é um dos recursos mais rápidos”, afirmou.

Diretora da consultoria Engenho e uma das criadoras do modelo computacional utilizado pelo ONS para a operação do sistema, Leontina Pinto ressalta que medidas de racionalização do uso de energia deveriam ter sido adotadas desde o ano passado, mas foram postergadas devido ao prejuízo político em ano eleitoral.

“Bato muito na tecla que racionamento não é vergonha. O sistema é planejado para um determinado risco. Se você quisesse correr um risco menor ainda, você teria uma energia muito mais cara. O risco geralmente é de 5%. Isso é premissa básica do setor. O ruim é que, em um momento desses, a gente [governo] nega o risco e o consumidor continua estimulado a consumir”, disse a especialista.

A diretora da Engenho afirmou que a primeira medida que deve ser adotada é a conscientização da população e a negociação com grandes consumidores industriais. “No racionamento passado aconteceu isso. Houve uma conversa grande com os consumidores. A pior coisa que pode acontecer é um corte intempestivo”, explicou Leontina, que defendeu ainda a divulgação de uma campanha na televisão.

Para Leontina, o custo do “realismo tarifário”, ou o repasse das medidas adotadas pelo governo nos últimos anos para socorrer as distribuidoras e evitar pressão tarifária em período eleitoral, será superior aos 40% já cogitados no mercado. Segundo ela, fazer redução do consumo de energia este ano é pior do que se isso tivesse sido feito no ano passado. “Agora vai ter que convencer a população a aceitar um reajuste de 40% e ainda ter que cortar energia”.

Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ), também é a favor de um programa de incentivo à redução do consumo de energia. “Enquanto o governo não buscar estimular a redução do consumo, vamos ficar sujeitos a um problema de blecaute como esse”, disse Castro, se referindo à última segunda-feira.

Ontem, o presidente da concessionária Santo Antônio Energia, Eduardo de Melo Pinto, rebateu a posição do governo de que o atraso na construção da usina de mesmo nome, localizada no rio Madeira (RO), contribuiu para a ocorrência da interrupção no fornecimento que atingiu as regiões da última segunda-feira.

“A usina não está atrasada, nunca esteve e continuará sem estar”, disse o executivo. Ele explicou que o compromisso de prazo assumido no leilão da usina, realizado em dezembro de 2007, está em dia.

Segundo ele, na época do leilão, foi prevista uma antecipação de 12 meses para vender energia no mercado de curto prazo (spot), que não exerce pressão direta sobre a demanda das distribuidoras nos últimos dias. Ele ressaltou que apenas esse prazo não foi cumprido integralmente, com atraso efetivo de três meses.

Pinto disse ainda que propôs ao Ministério de Minas e Energia o acréscimo de 150 MW médios à usina. Segundo ele, a iniciativa “pode ajudar” o governo a enfrentar a crise atual de oferta no sistema elétrico. A ideia dos empreendedores da hidrelétrica é garantir ao projeto um aumento da garantia física, parâmetro que reflete a capacidade de geração efetiva de uma usina. O presidente da Santo Antônio Energia afirmou que a medida não exigiria a instalação de turbinas adicionais, apenas ajustes na unidades de geração atualmente previstas.