segunda-feira, 5 de maio de 2014

E, como previsto, a conta de luz ficará mais cara

Embora não seja possível aferir com precisão, decerto há de haver um nexo forte entre a queda, até agora incontida, da popularidade da presidente Dilma Rousseff - bem como do número de eleitores que se dispõem a votar nela na eleição presidencial de outubro - e o descompasso entre o que, ao longo de seu mandato, ela andou prometendo e os resultados que vão surgindo na prática.

Não faltam exemplos, mas o que, no momento, parece mais óbvio do que acabou desandando nas políticas anunciadas pelo governo é seu plano para o setor elétrico, que, como prometera, deveria resultar na queda da tarifa de energia paga pelos consumidores residenciais, comerciais e industriais. Talvez de tanto analistas, engenheiros, dirigentes empresariais e outros interessados apontarem os furos desse plano e advertirem para os custos implícitos ou explícitos que ele imporá aos consumidores e aos contribuintes, a própria presidente acabou reconhecendo o fracasso daquilo que ele tinha de mais importante - ainda que, em outros aspectos, o governo continue a afirmar que está certo.

Há dias, em encontro com editores de esportes dos principais veículos de comunicação do País, convocado supostamente para tratar da Copa do Mundo, Dilma - depois de várias declarações de natureza essencialmente política -, afinal, reconheceu: "Acabou a moleza com as contas de energia".

Pode-se interpretar essa declaração de modos diferentes. O mais direto, sem dúvida, é o de que, se em algum momento houve "moleza" para os consumidores, daqui para a frente as contas de luz ficarão mais salgadas.

Bem, mas não é isso que vêm dizendo os críticos do plano de redução de tarifas desde que ele foi anunciado, em 6 de setembro de 2012?

É exatamente o contrário do que, em diferentes oportunidades, Dilma disse. No primeiro anúncio do plano de barateamento da energia, há cerca de 20 meses, ela disse que as tarifas diminuiriam 16,2% para os consumidores residenciais e até 28% para os industriais a partir do início de 2013.

Algumas semanas depois, ao detalhar o plano para o setor elétrico - que implicava, para as empresas que a ele aderissem, a renovação automática das concessões que vencem nos próximos anos e, às que se recusassem a fazê-lo, a devolução para a União dos ativos com o pagamento de uma indenização -, ela disse que a redução média seria de 20,2% nas contas. A queda seria proporcionada pela eliminação ou redução de alguns encargos setoriais e pela renovação das concessões nas condições impostas pelo governo.

Controlada pelo governo federal, a maior concessionária da área, a Eletrobrás, aderiu ao plano, mas incorreu em perdas bilionárias, apenas parcialmente ressarcidas pelo Tesouro a título de indenização por ativos não amortizados. Empresas controladas por governos estaduais recusaram-se a aceitar as regras, mesmo perdendo as concessões na data de seu vencimento.

Descontente com a resistência de concessionárias, a presidente reafirmou, em dezembro de 2012, a intenção de cortar as tarifas - ainda que houvesse, em muitas empresas, empecilhos técnicos e econômico-financeiros para fazê-lo -, pois a questão tinha, a seu ver, um certo conteúdo moral. "Reduzir o preço da energia é uma decisão da qual o governo federal não recuará, apesar de lamentar profundamente a imensa falta de sensibilidade daqueles que não percebem a importância disso", garantiu, durante encontro nacional organizado pela Confederação Nacional da Indústria em Brasília.

Não foi apenas sua inescapável consequência sobre a situação econômico-financeira das empresas que conspirou contra o plano de redução de tarifas - e contra as intenções políticas da presidente. O clima, com a longa estiagem nas regiões geradoras de energia, forçou o uso das usinas termoelétricas, que operam a custo maior do que as hidrelétricas. As distribuidoras que precisaram comprar energia no mercado livre pagaram um preço bem mais alto - mais do quádruplo do que pagariam em condições normais, em muitos casos. Mas só podem cobrar do consumidor a tarifa autorizada, o que desequilibrou suas finanças.

Já tendo de pagar pesadas indenizações às concessionárias de geração e transmissão, o Tesouro passou a enfrentar também o problema das distribuidoras. Além de dar subsídios a essas empresas, o governo ainda teve de montar uma grande operação financeira de socorro. Mas nem isso foi suficiente, sobretudo para as distribuidoras que estavam comprando energia no mercado livre. Realizou-se na quarta-feira passada o leilão que assegura até 2019 o fornecimento, a preços adequados, de 85% da energia de que elas necessitarão, o que alivia seu problema financeiro.

Certamente haverá custos, pois as tarifas terão de subir, um pouco em 2014, o restante em 2015 e nos anos seguintes. Não há contas precisas de quanto será o aumento nem quanto, afinal, acabará custando o plano de redução de tarifas. Cálculos de analistas do setor elétrico apontam para dezenas de bilhões de reais. O valor, qualquer que seja, será coberto com o aumento das tarifas e de impostos, na proporção do dinheiro que o Tesouro repassar para as empresas do setor. Não haverá, como diz a presidente, "moleza" para os consumidores.

Só isso já seria desanimador para o público em geral. Nos que acompanham com alguma atenção o fluir das finanças federais, os resultados mais recentes instilam ainda mais pessimismo. O resultado acumulado nos 12 meses encerrados em março é um superávit equivalente a 1,75% do PIB. É um pouco menos do que foi prometido em fevereiro pelo governo, de 1,9% do PIB. Mas, pelo andar da carruagem, a distância entre meta e realidade tende a crescer: as despesas aumentam ao ritmo de 8,4% ao ano e as receitas, de 2,1%.

É mais uma promessa que se dilui com o tempo. Se a isso somarmos as demandas não atendidas da população por serviços públicos e as denúncias de malfeitos do governo, os resultados das pesquisas eleitorais parecerão óbvios.