segunda-feira, 5 de maio de 2014

Apagão na política energética

O atual caos elétrico do país, com ameaça concreta de racionamento, é o retrato mais fiel do apagão de planejamento do governo. Apenas nos últimos dois meses, o setor precisou do socorro bilionário do Tesouro Nacional, de um empréstimo inédito de R$ 11,2 bilhões concedido por um consórcio bancário e de um leilão emergencial de energia para reduzir a exposição das distribuidoras aos altos preços praticados no mercado de curto prazo. Esse sufoco poderia ter sido evitado ou reduzido se pelo menos os projetos de geração e transmissão de energia, previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não estivessem atrasados ou parados. Só por meio de hidrelétricas, o país poderia estar gerando mais 20.359 mil megawatts.

Sem espaço para manobras, as autoridades tiveram de apelar à criatividade para superar os desafios colocados pela combinação de consumo elevado e perda na capacidade do parque hidrelétrico em razão do longo período de seca. O grande legado do modelo criado pela presidente Dilma Rousseff, um esquema de segurança baseado em termelétricas, sucumbiu à realidade, e os elevados custos das usinas a carvão, diesel e gás estão definitivamente incorporados à matriz energética brasileira.

Toda geração térmica operando no limite explica o custo de a energia ter ido às alturas, alcançando o pico de R$ 822,83 por megawatt/hora (MWh). Apenas após o impacto do raro leilão da semana passada para entrega imediata, que vai encarecer a conta de luz e ainda resultar na criação de mais um encargo, é que o chamado Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) cedeu para R$ 796,07 o MWh, primeiro recuo desde fevereiro.

O descompasso das obras de usinas e de linhas de transmissão para conectar energia nova ao Sistema Interligado Nacional (SIN) não foi a única prova de imprevidência. Ao optar pela construção de hidrelétricas sem reservatórios, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, que ficam à mercê do clima, foi outro passo equivocado, na opinião de especialistas. Para completar, por questões eleitorais, o governo recusa-se a assumir a necessidade de um racionamento ou, pelo menos, de anunciar um programa de incentivo à redução do consumo de eletricidade.

Ônus político - Para Walter Fróes, diretor na CMU Comercializadora de Energia, com o governo sem condições de aumentar a produção de energia, em virtude do atraso nos projetos em construção, resta apenas agir na demanda e impor o racionamento de pelo menos 6% de energia. "O governo não quer esse ônus político, mas é a única alternativa diante do quadro que ele mesmo desenhou por falta de planejamento", alertou.

Na avaliação de Fróes, o quadro mais dramático das obras paralisadas é o Grupo Bertin, que prometeu entregar 5 mil megawatts (MW) em térmicas em 2011 e não gerou nada até agora. "Mas há casos de quem é remunerado pela energia não gerada porque não há como injetá-la no SIN por falta de linhas de transmissão", ressalta.

O diretor da CMU também considera a escolha das hidrelétricas sem reservatórios, conhecidas como fio d"água, um equívoco, pois são suscetíveis à falta de chuvas. "Fizeram essa opção para não polemizar com ambientalistas. Mas, na seca, o país é obrigado a poluir a atmosfera, queimando gás e diesel das termelétricas. É um contrassenso em termos ambientais", ilustra.

O diretor executivo da Thymos Energia, João Carlos Mello, vê outra falha do planejamento energético: o foco dos leilões só nas tarifas mais baixas. "A geração eólica, por exemplo, pode até ser mais barata, mas depende de ventos, assim como hidrelétricas sem reservatórios dependem de chuvas. Há necessidade de apostar mais em térmicas nucleares, que têm custo reduzido, em torno de R$ 70 o MWh, contra R$ 800 o MWh das movidas a óleo", observa. A usina nuclear Angra III é uma das obra atrasadas do PAC. "Está na hora de o governo reconhecer que só preço do leilão não funciona. É preciso mais capacidade de geração segura de energia", completa.

Acelerar as obras empacadas e facilitar a liberação de licenças ambientais para a construção de mais usinas é fundamental a fim de garantir maior geração e mais segurança, na opinião de Mello. "Falta planejamento na medida em que, ao fazer uma obra de geração, a transmissão só é licitada quando a primeira fase está quase pronta. É complicado e demorado construir linhas. Aí ocorre de ter geração e não poder transportar a energia", explica.

O especialista lamenta ainda a falta de incentivos à redução do consumo elétrico, com descontos na tarifa ou a adoção do sistema de bandeiras tarifárias (adiado pelo governo para 2015), que avisa o cliente da energia mais cara em razão da falta de chuvas. Mello destaca que nada disso é adotado porque o governo petista usou o racionamento de 2001, durante a administração Fernando Henrique Cardoso, para se eleger e prometeu que o país não teria outro. Agora, teme tomar a decisão acertada com medo das urnas. "São lógicas econômicas que não foram usadas por questões políticas", sublinha.

Baixa eficiência - Para a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Goret Paulo, especialista em infraestrutura, o atraso nas obras do PAC é apenas um dos fatores que levam à desordem no setor elétrico. Ela alerta que reservatórios antigos estão assoreados e suas capacidades de armazenamento precisam ser reavaliadas. "Muitas usinas também já operam com menor eficiência. Isso contribuiu para a insegurança energética atual", cita.

Goret concorda que o país carece de um plano de incentivo ao uso racional de energia. "Já temos aumentos de tarifas previstos para 2015 em razão dos esforços emergenciais que poderiam ter sido evitados. Mas se houvesse uma política de contenção no consumo, menor seria o custo para os consumidores no ano que vem", sublinha. Ela acrescenta que a aceleração dos licenciamentos ambientais e a promoção de mais leilões de termelétricas a gás poderiam amenizar o cenário futuro. "Havia um leilão previsto para 2013 que até agora não foi feito", recorda.

Procurados pelo Correio para fazerem um balanço do planejamento energético e das obras do PAC no eixo de energia, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, e o Ministério de Minas e Energia (MME) não responderam. (Correio Braziliense)
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