O governo fez uma manobra inédita para distribuir entre os usuários de todo o país um custo extra da energia do Nordeste, resultado da ligação de usinas termelétricas. Depois do apagão no mês passado, que deixou todos os Estados da região sem luz, o governo autorizou o uso temporário dessas geradoras, mas lançou mão de uma estratégia nova para compartilhar os gastos. O valor adicional com a geração térmica ficou em R$ 134 milhões ao mês, segundo a Folha apurou. Isso equivale à incorporação de até mil megawatts no sistema do Nordeste --quantidade que o governo estimou ser suficiente para resolver o problema.
Para não sobrecarregar consumidores ou empresas, a solução encontrada para diluir essa conta passou pela alteração de regra da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e pela adaptação do discurso interno para justificar o uso das térmicas. O governo enquadrou o uso das usinas como uma necessidade "elétrica". Ou seja, decorrente de uma fragilidade na ligação dos sistemas entre Nordeste e Norte.
Essa solução não onera as distribuidoras de energia, com quem o governo trava batalhas judiciais em torno de mudanças que aumentaram os custos das empresas com a compra de energia. A alternativa mais defensável seria considerar a ligação das usinas uma necessidade "energética" --o fato de os reservatórios estarem baixos por causa da seca justificaria o procedimento.
Neste modelo, contudo, o gasto extra recairia sobre geradores, distribuidores e consumidores de energia. O governo então optou por classificar o uso como necessidade elétrica. Ocorre que, pela regras, problemas elétricos devem ser resolvidos com recursos apenas dos consumidores das áreas afetadas.
Para que o preço não alterasse excessivamente as tarifas, o governo decidiu mudar as regras, tornando possível a distribuição dos custos nacionalmente. Assim, os próximos reajustes de tarifas autorizados pela Aneel às geradoras terão que cobrir essa despesa adicional. Como a expectativa é que todos os consumidores paguem o incremento, o acréscimo na tarifa será praticamente desprezível.
A decisão de ratear esse custo foi tomada apesar de a consulta pública sobre o tema ainda estar em andamento. Ela foi aberta pela Aneel no último dia 17 e o prazo para contribuições só termina no dia 21 do próximo mês. Esta é a primeira vez que a agência atropela os procedimentos dessa forma.
Para se preservar, a Aneel deixou claro, em discussão com o Ministério de Minas e Energia, que, se a divisão não for aceita na audiência, o governo vai ter de voltar atrás e indenizar os pagamentos que já tenham sido feitos. A Folha procurou o ministério e a Aneel sobre o assunto, mas não obteve resposta. (Folha de S. Paulo - 29/09)
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