Em reportagem exclusiva publicada pelo Valor o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, anunciou que manterá as térmicas a gás natural e carvão ligadas durante todo o ano de 2013. Na mesma matéria, fontes do mercado calculam em até R$ 880 milhões o custo mensal da decisão para o país. Diante disso, novas incertezas surgiram na imprensa sobre a dificuldade de se alcançar o desconto na tarifa dos consumidores de energia elétrica - de 18% para as residências e de até 32% para a indústria - anunciado pela presidente Dilma Rousseff.
Na verdade, há um certo mal entendido, pois se mistura uma questão estrutural, que é a redução das tarifas que será proporcionada pela MP 579/2012 (Lei 12.783/2013), com a questão conjuntural, que é o despacho das usinas termelétricas com a finalidade de aumentar a confiabilidade do atendimento à demanda de energia elétrica no Brasil - o chamado "despacho fora da ordem do mérito econômico", que gera um encargo a ser pago denominado "encargo de serviço do sistema".
Essa geração fora da ordem do mérito funciona como um seguro que o consumidor faz para não ser submetido ao indesejável racionamento. Alternativamente a essa política, o governo, via Conselho Nacional de Política Energética, poderia requerer do setor elétrico um menor risco de racionamento, de modo a reduzir a vulnerabilidade do sistema. Essa política, entretanto, pode não ser a mais apropriada, pois a redução estrutural do risco de racionamento exigiria uma expansão mais intensa das instalações de geração, onerando ainda mais o consumidor.
Portanto, o acionamento dessas termelétricas durante condições adversas é uma política pública inteligente à medida que aloca aos beneficiários da confiabilidade, no caso os consumidores, somente temporariamente, o custo do despacho dessas usinas, em vez de requerer um "seguro permanente", que é o que ocorre quando se faz expansão mais intensa da oferta.
Entretanto, como o despacho das termelétricas está onerando conjunturalmente o consumidor - os distribuidores estão com fortes dificuldades de caixa e já recorreram ao Governo para evitar um default no setor elétrico - na mesma época em que se inicia a redução tarifária estrutural, há quem pense em repassar essa conta para "outros", no caso, os geradores de energia elétrica, o que não seria tecnicamente e regulatoriamente correto.
Nessa discussão é importante que se tenha clareza dos papéis dos agentes do setor. Os geradores cumprem com o papel de produzir energia elétrica para o sistema. O governo, por meio de suas instituições e em nome do consumidor, define o grau de confiabilidade do suprimento. Seria inconcebível, casuisticamente, pensar em exportar esse sobrecusto da confiabilidade para aqueles que estão cumprindo com o seu papel de entregar a energia elétrica que se comprometeram.
A propósito, devido às baixas afluências, as hidrelétricas não estão gerando na plenitude e, por isso, compram a energia faltante a um preço bastante elevado para cumprir seus contratos Para se ter ideia, em janeiro de 2013 a geração hidrelétrica ficou 26% abaixo do total de seus compromissos contratuais, uma vez que foram deslocadas pela geração termelétrica para poupar os reservatórios. Assim, as geradoras adquiriram a energia faltante no mercado de curto prazo ao preço médio de R$ 410,00/MWh, o que monta a cerca de R$ 4 bilhões, valor expressivo e que corresponde à participação dos geradores hidrelétricos no custeio da geração termelétrica em benefício da segurança do sistema. Portanto, os geradores hidrelétricos estão pagando exatamente a parte que lhes cabe em decorrência das condições climáticas adversas.
Não obstante as considerações anteriores, vemos uma excelente oportunidade para o setor elétrico avançar, de maneira consistente e estrutural, na discussão da formação de preços da energia elétrica. Idealmente, o consumidor, a cada instante de tempo, precisa saber exatamente o preço da energia, que deve refletir a escassez ou não do produto. Apenas dessa forma poderá reduzir o consumo em momentos de escassez ou consumir mais em momentos de excesso de oferta. Ocorre que, na atualidade, tem-se um sistema baseado em tarifas, que aloca a conta do consumidor em um momento futuro quando, em geral, a causa do aumento de custos já desapareceu.
Entendemos também haver espaço para que se possa embutir na formação do preço o custo pelo despacho mais intenso das termelétricas. Em vez de se formar o preço sem considerar as restrições de aversão ao risco de racionamento, como se faz na atualidade, passar-se-ia a incorporar tais restrições nos modelos computacionais que calculam o preço. Dessa forma, os despachos das termelétricas que foram realizados fora da ordem do mérito econômico passariam a ser titulados como despacho por mérito, minimizando o surgimento de sobrecustos, como os que temos hoje.
Um último ponto a ressaltar é a estabilidade regulatória para os investidores, na medida em que as regras atuais - que resultaram de processo exaustivo e detalhado de análise, contribuições e aprimoramentos, com a participação de todos os segmentos do setor elétrico, inclusive mediante audiência pública da Aneel - já contemplam a parcela de participação dos geradores hidrelétricos no custeio da geração fora da ordem de mérito econômico, e que decisões de investimento na expansão da geração e de contratação de energia foram tomadas por empreendedores considerando tais regras.
Concluindo, o consumidor está pagando mais devido ao despacho das usinas termelétricas. Caso não houvesse a publicação da Medida Provisória 579/2012 (Lei 12.783/2013), pagaria esse adicional pela energia das térmicas do mesmo jeito. Luiz Fernando Leone Vianna é presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) (Valor Econômico)
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