segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sucessão contamina debate sobre tarifa de energia

A crônica política de Brasília confirma que o presidente recém-eleito deve usar o primeiro ano do mandato para arrumar a casa, o segundo para governar e o terceiro para articular a sucessão. O quarto e último ano deve ser dedicado à inauguração de obras e - de preferência - à reeleição do governante.

A presidente Dilma Rousseff cumpriu rigorosamente a receita do primeiro ano de governo. Ao longo de 2011, Dilma demitiu nada menos do que sete ministros, a maior parte dos quais herdados da gestão anterior de Lula da Silva. A presidente também delimitou o espaço dos partidos políticos no Ministério.

O mesmo não se pode falar a respeito do segundo ano de mandato de Dilma. Como demonstram as negociações em torno da MP 579, a presidente já está no terceiro passo. Não há outra explicação para Dilma acusar a oposição de "insensibilidade" por se opor à redução da tarifa de energia elétrica nos termos por ela determinados na MP, antecipando concessões com prejuízos às empresas, sem discutir com os interessados.

"Reduzir o preço da energia é uma decisão da qual o governo federal não recuará, apesar de lamentar profundamente a imensa insensibilidade daqueles que não percebem a importância disso agora para garantir que o nosso país cresça", disse a presidente, na última quarta-feira, em discurso a empresários. Na quinta voltou à carga, afirmando que "a proposta do governo não foi feita com o chapéu alheio". O recado não poderia ser mais claro: Dilma se referia especialmente às concessionárias de energia de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, que se recusaram a aderir integralmente às regras da MP 579. São todos Estados governados pelo PSDB.

Não é a primeira vez que a redução de tarifas para a indústria e as residências entra no contexto eleitoral. A presidente anunciou a medida no discurso referente à data comemorativa da independência nacional, em meio à campanha eleitoral para prefeitos e vereadores. Isso, por meio de uma rede nacional de rádio e televisão.

A oposição, como agora, evidentemente protestou e apontou o caráter eleitoreiro do anúncio. Não se trata aqui, evidentemente, de avaliar o mérito da MP 579, cujos termos foram ditados pelo governo, apoiados pela indústria e rejeitada pelas três - digamos assim - "concessionárias tucanas", além da Celesc, a central elétrica de Santa Catarina, Estado governado por um neoaliado de Dilma, o PSD. Há um consenso nas críticas, o governo não a discutiu e apresentou a quem interessava antes de baixá-la como determinação.

Os dois lados - governo e oposição - têm bons argumentos. Ao reduzir a tarifa da energia, o governo dá um novo impulso à produção e deixa mais barata a conta dos consumidores.
Os Estados, como acionistas majoritários das empresas, não deixam de ter razão quando afirmam que devem satisfação aos minoritários e que não teria custado nada ao governo federal ter consultado sobre as disponibilidades de cada um. Até mesmo porque suas concessionárias já concedem isenções tarifárias.

A questão da energia é cara à presidente. Foi em torno dela que Dilma Rousseff construiu sua fama de boa gestora e, o PT, o discurso do fracasso do PSDB nessa área: no mesmo nível da "privataria", o apagão elétrico no governo Fernando Henrique Cardoso é um dos "hits" das campanhas petistas, desde Lula.

É uma bandeira que a presidente pode perder na campanha da reeleição, em 2014, se os apagões dos últimos meses continuarem recorrentes, ou se a situação se agravar devido à modelagem do setor elétrico.
Nenhuma pessoa - ou governante - de bom senso pode ser contra a redução da tarifa de energia elétrica para a indústria e as residências. O que deve ser questionada é a politização eleitoral do problema, especialmente por parte do governo federal, mas não só: O PSDB incorre no mesmo equívoco quando afirma que, se Dilma não cumprir a promessa de reduzir a tarifa em 20%, cometerá "estelionato eleitoral".

Transformar o debate numa questão eleitoral abre caminho para oportunismos como o do empresário Paulo Skaf, estrela de um comercial de TV no qual fatura a MP de Dilma tanto na condição de líder de uma federação poderosa quanto na de eventual candidato do PMDB ao governo de São Paulo. O fato é que o processo sucessório começou muito cedo, antes mesmo de Dilma completar o seu segundo dos quatro anos de mandato. (Valor Econômico)
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