quarta-feira, 23 de maio de 2012

Fala do governo sobre desindexação de contratos deixa setor elétrico em alerta

A fala do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o governo avalia desindexar os contratos de energia elétrica, que hoje possuem mecanismos de reajuste anuais e ligados ao índice de inflação, não caiu bem no setor. Agentes ouvidos pelo Jornal da Energia mostraram preocupação com os sinais de Brasília e pediram mais informações sobre o que está sendo planejado.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Geradores de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, "é preciso primeiro saber o que o governo entender por desindexar". O executivo afirma que o preço da produção das usinas é hoje reajustado anualmente, quando, no passado, a mudança era "quase mensal".

"Os compromissos trabalhistas, de insumos, de impostos, todos eles têm uma variação a cada ano. Não conheço nenhum preço na infraestrutura que não seja atualizado ou modificado com a variação inflacionária. E ninguém está disposto a não variar. Algum empregado quer ficar cinco anos sem aumento, por exemplo?", questiona.

Assim, Neiva acredita que, se o governo quer reduzir o custo da energia, mexer nesses reajustes não é a solução. O dirigente diz que "o que tem que ser baixa é a inflação" e que "o que encarece a energia são os impostos, tributos e encargos". E aponta que a tal desindexação poderia até mesmo aumentar as tarifas.

"Se você vende energia e não pode reajustar o preço...aí seria tudo muito confuso. Você colocaria, então, um preço até superior para compensar essa não-variação", analisa.

Essa hipótese, aliás, é apontada também pelo gerente geral da colombiana Isa, Luis Fernando Alarcón. O executivo da empresa, que controla a transmissora Cteep no Brasil, inclusive, fala com conhecimento maior do cenário macroeconômico - chegou a ser ministro da Fazenda da Colômbia entre 1987 e 1990.

"Uma grande virtude nos esquemas de remuneração de sistemas como transmissão, onde os investimentos vão se pagar em períodos longos, é ter um mecanismo de indexação. Para que eu tenha uma tranquilidade (como investidor)", explica, lembrando que todos riscos acabam precificados nas propostas feitas em leilões.

Alarcón diz que "não é certo que estamos livres de um comportamento inflacionário" e que o Brasil passou por isso "recentemente". Para ele, não há previsão de uma volta da hiperinflação, mas, mesmo assim, "há uma diferença entre um cenário econômico de inflação a 2%, 3%, e outro com 7%, 8%". Polido, o executivo afirma que "com todo respeito ao ministro Mantega", sugeriria ao governo "colocar na balança o que se ganha e o que se perde ao suprimir o mecanismo de indexação".

Na Associação Brasileira das Concessionárias de Energia (ABCE),que tem como membros geradores, transmissoras e distribuidoras, o diretor-executivo, José Simões Neto, vê com "cautela" o tema.

Para ele, se o governo entende que a inflação é tão baixa a ponto de justificar a alteração nos contratos, "seria irrelevante continuar com os reajustes" e a proposta "não teria sentido". Mas o executivo observa que os custos das empresas, como os encargos trabalhistas e os próprios tributos, sobem junto com os índices de preços. Sem reajustes, então, haveria "desequilíbrio econômico-financeiro" em pouco tempo.

Simões toma como exemplo as distribuidoras, que passam por reajustes tarifários anuais e revisões tarifárias periódicas, a cada quatro anos, em média. "Se esse reajuste anual for diferido para um período muito longo, como a cada cinco anos, e (nesse período) ocorrer algum repique de inflação indesejado sobre a empresa, ela vai ter que repassar. E isso de que forma?", aponta.

O diretor diz que já existe hoje a figura da revisão tarifária extraordinária (RTE), na qual as empresas podem pedir revisão a qualquer momento, mas precisam provar que houve alteração no equilíbrio financeiro da concessão. No entanto, ele avalia que a Agência Nacional de Energia Elétrica "não tem encarado com muita simpatia" tais pedidos. Os mais recentes, de Celpa e Celg, por exemplo, foram negados.

"Se esses repasses forem negados, as distribuidoras não vão conseguir manter-se adimplentes. Ela vai ter que cortar e não pagar quem supre ela. Isso não fica bom", lamenta Simões. Nesse caso, sem indexação e sem reajustes extraordinários, poderia haver quebradeira de companhias.

"Tenho idade para ter vivido o processo inflacionário muito intensamente. Já tive aumento salarial mensal, já vi tarifas aumentarem a cada 15 dias. Hoje nós temos isso a cada ano. E,quando chega o momento da revisão tarifária, pode haver até decréscimos. A gente está num processo razoável", pondera. (Jornal da Energia)
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