Há no país o consenso, resultante da constatação pelas mais variadas fontes, de que as tarifas e preços da energia elétrica brasileira estão entre os mais altos do mundo. Apesar de não haver uma visão comum sobre as causas do problema, há a tendência de explicar o fenômeno a partir das elevadas alíquotas de ICMS, PIS e Cofins, que chegam a mais de 30% das contas de energia.
Essa visão desloca a discussão para fora do setor e acopla sua solução a problemas de mais difícil e lento equacionamento. Na verdade, há muito a ser feito no próprio setor para reverter distorções acumuladas - e com ganhos alavancados automaticamente com a redução da carga tributária, que passaria a incidir sobre uma base menor. Isso depende não só do encaminhamento adequado das concessões do setor elétrico com vencimento nos próximos anos, como da alocação correta de custos e riscos do setor, e análise de encargos e das políticas atribuídas aos consumidores de energia.
Esses e outros aperfeiçoamentos podem se dar por meio do planejamento, gestão e decisões de governo. Mas as maiores oportunidades talvez estejam no funcionamento do setor e do seu mercado e podem ser resumidas no fortalecimento do metabolismo da eficiência, expressão atribuída à presidente Dilma Rousseff quando ministra de Minas e Energia. Esse fortalecimento passa pela premissa de aproveitamento da inteligência dispersa na "nuvem" do mercado, estimulada por sinais econômicos corretos por parte do governo e órgãos reguladores.
A questão da segurança do abastecimento ilustra bem esse quadro. Os consumidores pagam compulsoriamente por ela ao cobrir custos da energia de reserva e do despacho fora da ordem de mérito econômico de térmicas para manter o volume de água nos reservatórios.
O problema é que esses custos já deveriam fazer parte dos contratos de energia. O setor vive, portanto, um paradoxo: em um momento em que se preza a contratação em horizonte de longo prazo, o ambiente regulatório sinaliza na direção contrária ao estimular práticas defensivas de curto prazo e não permitir aos consumidores gerenciar suas contratações com a venda de excedentes. Com isso, desvaloriza a principal característica do contrato de longo prazo, que é ser um seguro contra as variações significativas de preços.
Questões semelhantes se verificam na expansão do parque gerador. O consumidor livre não pode contratar a energia dos novos empreendimentos nas mesmas condições que os cativos, mas torna-se corresponsável por seus impactos no aumento dos custos de transmissão, perdas e encargos cobrados para compensar as características dos empreendimentos no tocante à entrega da energia e potência contratadas. Isso compromete o metabolismo da eficiência, uma vez que distribui riscos de forma inadequada entre grupos de consumidores, geradores e comercializadores, e imputa custos que resultam em perda de competitividade da indústria e, consequentemente, de toda a economia brasileira.
Outra perturbação significativa se refere às distorções provocadas por políticas energéticas que contribuem para o aumento do custo da energia. Os subsídios à energia incentivada, por exemplo, desperdiçam recursos da sociedade porque não há mecanismo que capture, nos projetos a eles vinculados, ganhos de eficiência já disponíveis. Esse é o caso dos descontos aplicados às tarifas de transporte, que continuam privilegiando segmentos que já se provaram competitivos.
O metabolismo da eficiência também passa pela revisão de encargos setoriais vinculados a políticas de desenvolvimento social e regional, como é o caso da atual Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que são cobradas na proporção da energia consumida. Esse procedimento se justificava para a velha CCC, destinada a reduzir o custo global da produção de energia no sistema interligado. Ocorre que, com a mudança no conceito dos encargos, terminamos prisioneiros de uma situação que aloca o custo de políticas públicas de forma proporcionalmente maior para as grandes indústrias - que usam mais energia e menos sistemas de transmissão e distribuição.
Claro que a solução mais racional seria retirar o custo dessas políticas públicas das contas de energia porque, por mais positivos que sejam seus méritos, deveriam ser custeadas diretamente pelo Tesouro Nacional, de forma transparente. Mas, sendo tal solução de implementação mais lenta, por ora pelo menos os valores cobrados deveriam ser proporcionais às contas finais, de maneira isonômica a todos os consumidores.
Por fim, o momento propício criado com a perspectiva de encaminhamento adequado das concessões é a grande chance para reversão das distorções aqui citadas e de outras, que ampliaram em mais de 100% os custos da energia para a indústria nacional nos últimos dez anos. Independentemente da opção pela renovação ou nova licitação das concessões, esse deve ser o foco do governo nesse processo.
Ao enfrentar essas questões de maneira a aumentar o metabolismo da eficiência, o setor elétrico terá condições de fazer o custo da energia diminuir para todos os consumidores. Felizmente, sinais da Presidência da República, do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Energia Elétrica e do Congresso Nacional permitem uma visão de confiança dos consumidores em que o país terá disposição para corrigir distorções que se acumularam em décadas e devolver ao setor elétrico sua condição de contribuir decisivamente para o desenvolvimento nacional. Autor: Paulo Pedrosa é presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). (Valor Econômico)
Leia também:
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Essa visão desloca a discussão para fora do setor e acopla sua solução a problemas de mais difícil e lento equacionamento. Na verdade, há muito a ser feito no próprio setor para reverter distorções acumuladas - e com ganhos alavancados automaticamente com a redução da carga tributária, que passaria a incidir sobre uma base menor. Isso depende não só do encaminhamento adequado das concessões do setor elétrico com vencimento nos próximos anos, como da alocação correta de custos e riscos do setor, e análise de encargos e das políticas atribuídas aos consumidores de energia.
Esses e outros aperfeiçoamentos podem se dar por meio do planejamento, gestão e decisões de governo. Mas as maiores oportunidades talvez estejam no funcionamento do setor e do seu mercado e podem ser resumidas no fortalecimento do metabolismo da eficiência, expressão atribuída à presidente Dilma Rousseff quando ministra de Minas e Energia. Esse fortalecimento passa pela premissa de aproveitamento da inteligência dispersa na "nuvem" do mercado, estimulada por sinais econômicos corretos por parte do governo e órgãos reguladores.
A questão da segurança do abastecimento ilustra bem esse quadro. Os consumidores pagam compulsoriamente por ela ao cobrir custos da energia de reserva e do despacho fora da ordem de mérito econômico de térmicas para manter o volume de água nos reservatórios.
O problema é que esses custos já deveriam fazer parte dos contratos de energia. O setor vive, portanto, um paradoxo: em um momento em que se preza a contratação em horizonte de longo prazo, o ambiente regulatório sinaliza na direção contrária ao estimular práticas defensivas de curto prazo e não permitir aos consumidores gerenciar suas contratações com a venda de excedentes. Com isso, desvaloriza a principal característica do contrato de longo prazo, que é ser um seguro contra as variações significativas de preços.
Questões semelhantes se verificam na expansão do parque gerador. O consumidor livre não pode contratar a energia dos novos empreendimentos nas mesmas condições que os cativos, mas torna-se corresponsável por seus impactos no aumento dos custos de transmissão, perdas e encargos cobrados para compensar as características dos empreendimentos no tocante à entrega da energia e potência contratadas. Isso compromete o metabolismo da eficiência, uma vez que distribui riscos de forma inadequada entre grupos de consumidores, geradores e comercializadores, e imputa custos que resultam em perda de competitividade da indústria e, consequentemente, de toda a economia brasileira.
Outra perturbação significativa se refere às distorções provocadas por políticas energéticas que contribuem para o aumento do custo da energia. Os subsídios à energia incentivada, por exemplo, desperdiçam recursos da sociedade porque não há mecanismo que capture, nos projetos a eles vinculados, ganhos de eficiência já disponíveis. Esse é o caso dos descontos aplicados às tarifas de transporte, que continuam privilegiando segmentos que já se provaram competitivos.
O metabolismo da eficiência também passa pela revisão de encargos setoriais vinculados a políticas de desenvolvimento social e regional, como é o caso da atual Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que são cobradas na proporção da energia consumida. Esse procedimento se justificava para a velha CCC, destinada a reduzir o custo global da produção de energia no sistema interligado. Ocorre que, com a mudança no conceito dos encargos, terminamos prisioneiros de uma situação que aloca o custo de políticas públicas de forma proporcionalmente maior para as grandes indústrias - que usam mais energia e menos sistemas de transmissão e distribuição.
Claro que a solução mais racional seria retirar o custo dessas políticas públicas das contas de energia porque, por mais positivos que sejam seus méritos, deveriam ser custeadas diretamente pelo Tesouro Nacional, de forma transparente. Mas, sendo tal solução de implementação mais lenta, por ora pelo menos os valores cobrados deveriam ser proporcionais às contas finais, de maneira isonômica a todos os consumidores.
Por fim, o momento propício criado com a perspectiva de encaminhamento adequado das concessões é a grande chance para reversão das distorções aqui citadas e de outras, que ampliaram em mais de 100% os custos da energia para a indústria nacional nos últimos dez anos. Independentemente da opção pela renovação ou nova licitação das concessões, esse deve ser o foco do governo nesse processo.
Ao enfrentar essas questões de maneira a aumentar o metabolismo da eficiência, o setor elétrico terá condições de fazer o custo da energia diminuir para todos os consumidores. Felizmente, sinais da Presidência da República, do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Energia Elétrica e do Congresso Nacional permitem uma visão de confiança dos consumidores em que o país terá disposição para corrigir distorções que se acumularam em décadas e devolver ao setor elétrico sua condição de contribuir decisivamente para o desenvolvimento nacional. Autor: Paulo Pedrosa é presidente-executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). (Valor Econômico)
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