sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A prorrogação de concessões e o interesse público

Em julho de 2015 vencem os contratos de inúmeras concessões do setor elétrico. Essa coincidência foi forçada por uma lei editada em 1995 que estendeu os prazos de concessões antigas por mais 20 anos, a partir de sua promulgação.

A construção de um novo marco legal regulatório, permitindo novas prorrogações de concessão, deve ser feita sob a égide do interesse público, para tal não vir a ser questionado como inconstitucional. Nesse sentido, os princípios que norteiam a administração pública não admitem a prorrogação indiscriminada de concessões. A opção pela sua renovação deve vir acompanhada de fundamentos objetivos. O interesse do usuário do serviço público de energia elétrica deve sempre confrontar as vantagens e desvantagens dessa medida, em comparação com a exigência formal de uma nova licitação.

Dentro da opção de escolha, cabe ao poder público buscar sempre a qualidade do atendimento a custos adequados, conciliando esses aspectos com a expansão da oferta de energia e, o que é mais importante, com o enfoque sob o ponto de vista dos consumidores, alheios, portanto, aos interesses exclusivos das concessionárias.

Em 2007, a Lei Geral das Concessões sofreu significativa alteração com a retirada da obrigação de "vencido o prazo de concessão, o poder concedente procederá a sua licitação", fazendo passar a constar que "vencido o prazo mencionado no contrato de concessão ou ato de outorga, o serviço poderá ser prestado por órgão ou entidade do poder concedente, ou delegado a terceiros, mediante novo contrato". Evidenciam-se duas inovações trazidas pela mudança: a não obrigatoriedade antes expressa de nova licitação e o órgão ou entidade do poder concedente, entendido como "um braço" desse, incumbido diretamente da concessão, e não por licitação, numa releitura do artigo 175 da Constituição Federal.
Existe um potencial da ordem de 5.300 MW com a instalação de novas turbinas nas usinas já construídas
Investimentos não depreciados e que ensejariam significativas indenizações ao final da concessão podem também ser aceitos como justificativa para a prorrogação do prazo de concessão, para se evitar o uso de dinheiro público. Os recursos recolhidos para esse fim, denominados de Reserva Global de Reversão (RGR), além de insuficientes, tem sido redirecionados para programas sociais tais como o Luz para Todos.

A tendência que vem se firmando, que possivelmente será adotada pelo governo federal, é da possibilidade de renovação das concessões que vencem em julho de 2015, devendo as novas ser onerosas para as concessionárias e em favor da modicidade tarifária. Isso significa que as tarifas deverão ser reduzidas, notadamente para aqueles empreendimentos amortizados na vigência do contrato.

Deve-se ressaltar que o aspecto econômico não deveria ser o único a ser considerado na avaliação da prorrogação, mas também o técnico, quanto à "atualidade" da concessão. Com um novo prazo, por exemplo, de mais 20 anos, deve-se avaliar quais as melhorias a serem buscadas face às necessidades de consumo de energia elétrica presentes ou futuras. Assim, deve ser obrigação do poder concedente estabelecer um montante de novos investimentos a serem feitos pela empresa, atentando para a modernização dos serviços e a proteção dos interesses do consumidor.

Como exemplo, em se tratando de geração de energia, não pode passar despercebida a grande oportunidade que se apresenta em se exigir das concessionárias que aumentem a capacidade das hidrelétricas, ou seja, acrescentem novas unidades produtoras. Há mais de uma década é comum a execução das usinas prevendo-se no projeto original espaço físico para ampliação futura. Em muitos casos, a expansão de sua capacidade é facilitada com toda a movimentação de terra e obras de concreto já realizadas.
Levantamento realizado pela Associação Brasileira de Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) indicou que existe um potencial da ordem de 5.300 MW a ser explorado por meio da instalação de unidades geradoras naquelas usinas construídas já com previsão para esses aumentos.

Nas hidrelétricas construídas nos últimos anos, além de não haver reservatório, a capacidade de potência instalada se aproxima em muito de sua energia considerada firme. Ou seja, não existe grande diferença entre o que se consegue produzir em períodos seco e úmido, portanto, pouco se gera do que se chama de "energia interruptível".

O resultado é que existe um grande desperdício de energia de origem hídrica, que deixa de ser produzida quando a vazão dos rios é superior àquelas que acionarão as unidades geradoras existentes. Na atual configuração, e em face de expressivo crescimento de consumo, o sistema elétrico brasileiro atendido por hidrelétricas está se tornando incapaz de disponibilizar o suficiente a toda a demanda nos horários de ponta. Em outras palavras, tem havido insuficiência de potência de origem hidráulica para o atendimento pleno da carga em determinados horários do dia em que o consumo é maior. Mesmo em situações hidrológicas favoráveis, com grande precipitação de chuvas e reservatórios cheios, tem se verificado a necessidade de despacho de termelétricas.

A chamada "repotenciação" das usinas hidrelétricas, com a instalação de novas unidades geradoras, é extremamente vantajosa para o interesse público, pois, com investimentos moderados e sem problemas ambientais, evita-se de forma significativa a produção de energia a partir de termelétricas, cujos custos são muitos superiores.

Sob o enfoque do interesse público, a necessária atualização dos empreendimentos de geração e dos demais ativos de transmissão e distribuição deve ser feita pelas concessionárias no decorrer do novo prazo de concessão, sem o que seria mais adequado partir para outra licitação, com a obrigação do vencedor de fazer as melhorias necessárias.
As opções a serem buscadas pelo poder público devem levar em consideração o interesse público, sempre em busca de maior eficiência do serviço público prestado.
Carlos Augusto Ramos Kirchner é consultor em Energia e diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp) (Valor Econômico)

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