segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Distribuidoras se queixam de regras para revisão tarifária

Novas regras em análise pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o terceiro ciclo de revisão tarifária das distribuidoras, que serão aplicadas a partir de 2012, poderão reduzir em 25% o fluxo de caixa dessas empresas e comprometer uma parte importante das obras necessárias à Copa do Mundo. Às vésperas de serem colocadas em votação pela diretoria colegiada da Aneel, o que deve ocorrer até o fim de setembro, essas regras tornaram-se alvo de intenso lobby do setor em Brasília e extrapolaram os corredores da agência.

Executivos das principais empresas de distribuição já procuraram o Ministério de Minas e Energia, na tentativa de convencê-lo a interferir diretamente nas regras apresentadas pela Aneel, que passaram por audiência pública e estão à espera dos relatórios finais para ir a votação. Casa Civil e Desenvolvimento também foram procurados. Algumas distribuidoras argumentam que a agência avançou além de suas funções como reguladora, entrou na definição de política tarifária - prerrogativa do governo - e pode até ferir os contratos de concessão ao alterar certas normas.

As novas regras são "um ponto de preocupação" e podem "comprometer os recursos disponíveis para investimentos" ao reduzir o fluxo de caixa, diz o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite.

A cada quatro ou cinco anos, dependendo da empresa, há uma revisão das tarifas praticadas pelas distribuidoras. O custo médio ponderado do capital, conhecido pela sigla WACC e que indica em linhas gerais a taxa de retorno da concessão, chegava a 11,25% no primeiro ciclo. No segundo ciclo de revisão tarifária, entre 2007 e 2010, essa taxa caiu para 9,95%. Ao apresentar as regras do terceiro ciclo, a Aneel sugeriu um índice de retorno regulatório de 7,15% e derrubou as ações das empresas. Depois, a agência elevou a taxa para 7,57%.

"Essa taxa reflete o risco-país e outros indicadores da economia brasileira. É natural haver uma queda, mas a Aneel não considerou sequer a existência de risco regulatório", afirma Leite. Em estudo encomendado pela Abradee, a LCA Consultores calcula o risco regulatório em 0,9%. Isso elevaria o WACC imediatamente em 0,43 ponto percentual.

Outro ponto fortemente contestado pelas distribuidoras é o uso, pela Aneel, do melhor rating do setor para o cálculo do custo de captação. Isso desconsidera as taxas pagas individualmente pelas distribuidoras ao buscar crédito.

As empresas evitam dizer publicamente quanto podem deixar de investir, caso a Aneel não recue na aplicação das novas regras. Uma distribuidora que atua em uma cidade-sede da Copa contou que previa investir R$ 2,2 bilhões no período 2011-2014, mas pode reduzir esse montante pela metade, caso a agência mantenha as regras do terceiro ciclo.

Nos bastidores, as empresas explicam que dificilmente serão afetadas as obras prioritárias para a Copa, mas que podem ser cortados investimentos em outras áreas da mesma concessão, fora das cidades-sede. O importante, segundo elas, é que a redução do fluxo de caixa acabará sendo acompanhada também por uma queda do investimento.

Caso a Aneel confirme as novas regras, os investimentos inicialmente previstos em subestações e linhas da rede básica não poderão ser integralmente repassados às tarifas, diz Ângela Magalhães Campos, superintendente de regulação da Light. Por isso, segundo ela, a tendência é haver impacto direto nos montantes disponíveis para investir.

"Não me refiro especificamente à Light, mas a situação global dada pela Aneel ao setor é essa", afirma Ângela. Ela lembra que a parcela das distribuidoras representa apenas 25% das contas de luz. Ou seja, por mais que aperte o retorno das concessionárias de distribuição, o impacto para o consumidor final será pouco sentido, argumenta. Três quartos da conta se referem a custos de geração, transmissão, impostos e encargos setoriais.

"A situação macroeconômica de hoje é diferente e ninguém esperava que o WACC proposto pela Aneel fosse o mesmo de antes, mas também não se esperava uma redução tão grande", diz a executiva.

Além disso, as distribuidoras protestam por causa da alteração de regras em pelo menos outros três pontos: o fator-X (desconto nas tarifas para transferir aos consumidores parte do ganho de produtividade das empresas) aumentou de 0,4% para 2,2%; incentivos fiscais concedidos pela Sudam e pela Sudene para reinvestimento do lucro nas concessionárias do Norte e do Nordeste também serão incorporados nas tarifas; e as chamadas "outras receitas" (a média de multas aplicadas pela Aneel nos anos anteriores entraria no cálculo de receitas futuras, não importando se há melhoria do desempenho).

Um executivo de uma multinacional estrangeira com atuação no Brasil chegou à seguinte conclusão: "Se a Aneel queria mesmo diminuir o retorno das distribuidoras, escolheu o pior momento para fazer isso, com os investimentos que são necessários para a Copa do Mundo". (Valor Econômico)


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