quinta-feira, 28 de julho de 2011

Aneel recua, mas terceiro ciclo de revisão tarifária ainda gera críticas

A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) está preocupada com as discussões que envolvem o terceiro ciclo de revisão tarifária do setor, conduzido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). As propostas feitas até agora pelo órgão regulador para a mudança da metodologia de cálculo das tarifas de energia não são consideradas razoáveis pelas concessionárias, que enviaram sugestões durante a consulta pública sobre o tema e agora aguardam para saber se foram ouvidas. O presidente da entidade, Nelson Fonseca Leite, deixa claro que as primeiras análises sobre o impacto das novas regras, caso aplicadas como previsto até o momento pela Aneel, não agradam.

"Algumas empresas distribuidoras teriam seus resultados muito comprometidos, muito prejudicados, com isso que está sendo proposto. O impacto médio sobre o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização - indicador que mede fluxo de caixa) seria uma redução média de 25%. E tem empresas em que isso seria muito mais significativo", aponta Leite, citando cálculos feitos pela Abradee. "Comprometendo o fluxo de caixa, compromete a capacidade de investimento das empresas", alerta o executivo.

De acordo com Leite, com menos dinheiro entrando, as companhias precisariam se endividar mais para poder manter o nível de investimento na rede. Com isso, aumentariam os riscos para as concessionárias, o que poderia causar impacto na negociação de débitos com credores e dificultar ou encarecer novos empréstimos.

"O setor tem investido uma média de R$8 bilhões ao ano nos últimos quatro anos. E vai ter que passar a investir, até 2014, em torno de R$9 bilhões por ano. Aí você imagina como fica: a área exige mais investimentos, o crescimento da economia exige, e o setor perde receita, fluxo de caixa, capacidade de investimento. Nossa preocupação é com a própria sustentabilidade do setor", argumenta o presidente da Abradee.

Durante as discussões que se seguiram à primeira minuta da metodologia de revisão, divulgada pela Aneel ainda no ano passado, a agência voltou atrás em alguns pontos e chegou a aumentar o WACC regulatório - que representa o custo médio ponderado do capital. O indicador havia sido estabelecido em 7,15%, contra 9,95% utilizados no segundo ciclo. Agora, o WACC está em 7,75%. A expectativa do mercado no ano passado era de algo entre 8% e 8,5%. "Achamos que ainda tem oportunidade de melhorar", pontua Leite. Para ele, a agência "não considerou o risco regulatório" e utilizou a mediana, ao invés da média, no risco País, o que distorceria os resultados.

Outro ponto questionado é o chamado Fator X. De acordo com a metodologia anterior, as distribuidoras que conseguissem capturar ganhos ao longo de um ciclo somente teriam que dividir isso com o consumidor quando houvesse uma nova revisão. Agora, a ideia é que, todos os anos, uma parte desse ganho seja revertida para a modicidade tarifária. Para Leite, isso vai "comprometer a capacidade de investimentos ao longo do ciclo tarifário".

O executivo ainda enfatiza que algumas ideias, como a captura das receitas procedentes de energia reativa e ultrapassagem de demanda, e de subsídios regionais, como da Sudam e da Sudene, pode inclusive "gerar uma demanda judicial" caso o regulador não ceda. "Temos um parecer jurídico de que isso fere o contrato de concessão. É uma questão legal que temos que considerar". No geral, a avaliação da Abradee é de que a Aneel, buscando "apertar" as distribuidoras, pode ver um rigor excessivo frustrar seus planos de obter ganhos de eficiência no setor. "Se o regulador não tomar cuidado, a dose do remédio pode ser muito forte e matar o doente", diz Leite.

O executivo acredita que o resultado do terceiro ciclo pode inclusive "tirar a atratividade do setor" para os investidores, o que tornaria pouco interessante fechar aquisições na área. "Hoje, o contrato é mais estável na área de geração do que na distribuição. Esse negócio de mudança de método a cada ciclo de revisão gera uma certa insegurança e, por isso, os investidores estão buscando mais geração do que distribuição", avalia.

No ano passado, o Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Unviersidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), questionado pelo Jornal da Energia, afirmou que as distribuidoras não tinham do que reclamar, uma vez que um estudo feito pelo próprio grupo apontava para os ótimos resultados das empresas, com grandes lucros. Leite, porém, rebate o argumento dos estudiosos. "Eles pegaram uma mostra que não representa o setor - são apenas nove empresas e somente no ano de 2009, quando houve uma série de itens não-recorrentes na receita. Não concordamos com a afirmativa de que o setor está ganhando muito dinheiro".

Procurada, a Aneel informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não está comentando o assunto devido à proximidade da decisão final sobre o tema, que deve sair em agosto ou no início de setembro.

Concessões - Assim como nas áreas de geração e transmissão, contratos de concessão de distribuidoras também começam a vencer nos próximos anos, com início em 2015. Ainda assim, a questão, que tem elevado os ânimos principalmente para os geradores, não tem causado maiores dores de cabeça entre as concessionárias de distribuição.

"É interessante que, pelo fato de o setor ser submetido a um processo de contestação pública a cada revisão tarifária, não há sentido em se fazer uma licitação das concessões. O que podia ser capturado para a modicidade tarifária já está sendo capturado", afirma Leite. (Jornal da Energia)


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