O modelo de leilões usado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já está próximo do estado de saturação, enquanto a taxa de retorno pelo capital investido no setor elétrico permanece deslocada da realidade do mercado brasileiro. Essa é a avaliação do diretor da Aneel, Edvaldo Santana, que cumpre até o fim deste ano o seu segundo mandado no cargo. O diretor considera que a exaustiva repetição do mesmo formato de concorrência, nos últimos dez anos, "viciou o processo", o que impede o acirramento da concorrência que levaria à redução ainda mais expressiva do preço dos serviços. Quanto à taxa de retorno, o diretor da Aneel avalia que, há cinco anos, as empresas são prejudicadas por não contarem com uma remuneração condizente com a realidade do mercado brasileiro.
Na visão de Santana, há várias maneiras de fazer leilões que poderiam ter sido experimentadas pela agência, mas que até agora estão na gaveta. "A única maneira não recomendável de fazer um leilão é usar, para o mesmo objeto, sempre o mesmo modelo", diz Santana. "Para linhas de transmissão, estamos desde 2000 fazendo o mesmo leilão. Isso é uma coisa que não é recomendável, vicia." Segundo ele, as empresas já conseguem traçar previamente o perfil de comportamento das concorrentes, o que torna a disputa mais previsível e, portanto, vulnerável.
Ao propor a diversificação dos modelos de disputa, Santana ressalta que há várias alternativas testadas em outros países, mas que ainda são descartadas pela agência. No segmento transmissão, o diretor considera que a agência estaria pronta para adotar o "leilão de segundo preço", que estimularia ainda mais a redução de tarifa dos novos projetos de transmissão. "Nesse caso, continuaria ganhando quem oferece o menor preço, só que será remunerado com a receita apresentada pelo segundo colocado na disputa. A tendência é empurrar cada vez mais a receita mais para baixo", diz. Sobre a taxa de retorno das elétricas, o diretor da Aneel disse que a agência adota o chamado "fator beta", parâmetro que relaciona o custo médio ponderado de capital (Wacc, na sigla em inglês) à cotação das ações das empresas na bolsa. "É aí onde está o grande problema. Quando começamos a fazer isso, nossa bolsa era muito fraca e usamos os ativos de empresas do setor elétrico americano e chileno para calcular o beta", explicou. Para Santana, o mercado de ações no Brasil já é suficientemente robusto para ser usado como parâmetro no cálculo do retorno.
O fato de a Aneel não ter ainda parâmetros que refletem a realidade de risco de investimento no Brasil levou Santana a divergir com os demais colegas de diretoria, em 2011, na definição do Wacc das distribuidoras, no corte de 9,95% para 7,5%, durante o terceiro ciclo de revisão tarifária. "Provavelmente, se for usar o beta baseado no setor de infraestrutura brasileiro, o risco será um pouco maior", disse, o que resultaria no consequente aumento da remuneração das elétricas. Ele acredita que a nova estrutura de cálculo já seja usada no quarto ciclo de revisão tarifária das distribuidoras, que começa a ser discutido a partir de 2014.
A discussão sobre taxa de retorno na infraestrutura ganhou corpo nos últimos meses por se tornar o principal dilema do governo para destravar os pacotes de concessões. Com o aumento do volume de ações das empresas de infraestrutura listadas na Bovespa, o diretor defende que o desempenho das empresas de infraestrutura passe a ser considerado nas próximas definições da taxa de retorno. Na linha de diversificação do modelo de leilões da Aneel, o diretor acredita que é possível adotar uma solução simples que poria fim às dúvidas sobre a taxa de retorno mais adequada para novos projetos. A proposta, porém, é totalmente diferente do que já foi praticado na agência. Santana vê problema em deixar o próprio empreendedor definir a taxa de retorno dos projetos. "Por que não deixar para ser definido no leilão? Isso vale para qualquer setor, hoje", diz.
Para novos projetos de transmissão, Santana defende que a Aneel estabeleça no edital um limite de variação da taxa de retorno, com percentuais de piso e teto, em que o investidor diz em qual patamar está disposto a ser remunerado. Quanto menor a taxa de retorno apresentada, maior o bônus ou a pontuação para a fase seguinte do leilão, em que se daria a tradicional disputa com lances de menor valor de tarifa. "O mix disso, com a tarifa, proposta levaria a taxa de retorno a um patamar menor nos processos de revisão das tarifas das transmissoras", disse. Nos leilões de usinas, o diretor da Aneel lamenta o fato de a autarquia ter perdido a competência institucional de construir os principais parâmetros da disputa que entram no edital. Atualmente, o Ministério de Minas e Energia define diretrizes, data e preço-teto da energia que será produzida, cabendo à Aneel seguir o script do ministério: segue as determinações e administra os contratos.(Valor Econômico)