O Brasil deveria acompanhar com atenção o Terceiro Ciclo de Revisão Tarifária Periódica, processo que definirá a metodologia que será aplicada para reposicionar, a partir de 2011, as tarifas de eletricidade das 63 distribuidoras de energia elétrica nacionais.
Esse processo afeta, além dos consumidores de energia elétrica e das concessionárias de distribuição, vários setores que gravitam ao redor da complexa cadeia de valores que movimenta uma receita consolidada superior a R$ 100 bilhões anuais. São geradores e transmissores de energia, financiadores governamentais e privados, milhares de fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços. Além destes, vale lembrar que os Três Poderes se apropriam de quase metade de toda a receita acima: a carga tributária que pesa sobre o setor elétrico totaliza 45% da conta de luz.
A audiência pública que ocorrerá no dia 1.º de dezembro na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília, representa um dos marcos de consulta à sociedade sobre a metodologia que será implantada para o "terceiro ciclo". Além disso, qualquer cidadão ou entidade pode enviar suas contribuições até o dia 10 de dezembro.
O processo de definição de tarifas é muito técnico e se vê às voltas com expressões como "price cap regulation", "benchmark comparison", índices de produtividade de Tornqvist e Malmquist e "data envelopment analysis".
Reconhecida tal complexidade técnica, o que já se pode afirmar é que, se a proposta de metodologia apresentada pela Aneel for implementada no formato atual, haverá a perigosa combinação de descontinuidade regulatória e reinterpretação arbitrária dos contratos de concessão. Uma dupla que certamente dará margem a contestações judiciais.
Exemplos de fragilidades são as distorções no cálculo do fator de produtividade, o descolamento entre teoria e realidade para o conceito de "eficiência" e correlações precárias entre fatores - precariedade que inclusive documenta contradições do próprio regulador.
A revisão periódica de tarifas visa a estabelecer, em média a cada quatro anos, um patamar tarifário que satisfaça as necessidades de consumidores (contas de luz módicas e serviço de qualidade), das empresas (tarifas que cubram custos eficientes e investimentos prudentes, com remuneração adequada) e dos governos (um serviço público que atenda às necessidades econômicas e sociais do País).
O regulador deveria, ao longo deste processo de audiência pública, ponderar se a metodologia proposta não comprometerá de forma dramática essas necessidades.
Importa saber que a rentabilidade passada do setor medida pelo EVA ("Economic Value Added", métrica de rentabilidade para setores intensivos em capital) indica perda econômica de R$ 49,3 bilhões entre 1998 e 2009 para uma amostra de 22 empresas. As empresas brasileiras apresentaram o pior resultado, se comparadas com firmas do Canadá, EUA, Japão e Europa.
Olhando para o futuro, preocupam as estimativas das concessionárias: se implementada como a Aneel propôs, a nova metodologia implicará redução de 36% na geração de caixa (Ebitda) e aumentará o custo de captação. Para o consumidor e para o setor produtivo, isso se traduzirá na redução da capacidade de investimentos para os próximos cinco anos, que despencaria da atual projeção de R$ 45 bilhões para R$ 17 bilhões, tornando o setor insustentável.
Como a tarifa é a única fonte de recursos em setores regulados, tarifas em patamares inadequados implicam queda de investimentos e perda de qualidade. O regulador sabe que não há espaço para artificialidades.
Mas conforta saber que o mesmo regulador, ao conhecer os riscos e as imperfeições que lhe serão apontados sobre sua proposta de metodologia, fará as correções de rumo necessárias para garantir que o serviço público de eletricidade tenha as condições mínimas para atender às necessidades de expansão de um país que se prepara para crescer a taxas elevadas.Autor: Cláudio J.D. Sales (O Estado de S. Paulo)
.
Leia também: