terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Governos ficam inertes diante da piora da crise de energia

O abastecimento de água e energia está perto do colapso na região Sudeste, a mais rica do país, e no Nordeste. Rivais políticos, PT e PSDB são responsáveis por nada terem feito, por motivos eleitoreiros, para mitigar uma situação que há mais de um ano se afigura como perigosa. O governo federal colocou o setor elétrico em desarranjo e com as tarifas apontando para o céu, após uma redução de 20% em um momento em que já havia sinais de redução da oferta hídrica. A presidente Dilma fugiu a seu dever durante as eleições, não mencionou o tema e não agiu de acordo com a gravidade da situação. Até ontem, relutava em admitir a hipótese de racionalização de energia. O novo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, que ganhou o pior emprego da Esplanada dos Ministérios, recorreu à brasilidade de Deus para falar sobre o futuro.


A crise de energia está sendo potencializada por restrições ao consumo de água, já rotineira em várias cidades do interior paulista e em muitos bairros da capital do Estado. O governador tucano Geraldo Alckmin negou as evidências todo o tempo, para ganhar mais uma eleição. Pode ter vencido a sua última, se não agir rapidamente para tentar suavizar os estragos que sua leniência causará à população paulista. Para quem se orgulha de encarnar o papel de gestor eficiente, desenhado pela cartilha teórica do PSDB, a escassez de água será duplamente ruinosa, ao expor o misto de arrogância e incompetência com que a atual administração tratou os fatos.

Não foi a duração de um clima extremo por dois anos que levou o Sudeste e o Nordeste à beira do abismo do abastecimento. Os suspeitos de sempre estão acintosamente presentes: falta de planejamento, atrasos nas obras, descasamento entre a conclusão de usinas e respectivas linhas de transmissão, burocracia, politicagem. A inclemência climática, porém, exacerbou a soma dessas falhas que, em épocas de chuvas mais generosas, poderiam ser empurrados para frente, a custa de apagões localizados etc. Com a frustração seguida e renitente das previsões de chuvas, o mínimo que poderia ter sido feito é a racionalização do uso de energia e água e uma campanha massiva por redução do consumo. É inacreditável, mas a simples possibilidade de fazê-lo foi vista com desprezo pelos governos estaduais e federal.

No apagão da semana passada ficou claro, apesar do contorcionismo oficial, que não havia energia a ser entregue. Os especialistas apontam que as usinas termelétricas, que cada vez mais garantem o abastecimento à medida que as hidrelétricas apresentam menor vazão, estão sentindo os efeitos da operação permanente, e não apenas em emergências. Quase um terço dos 22 mil MW do parque das térmicas está fora de uso para manutenção.

A capacidade de geração de energia estará comprometida a curto prazo se as chuvas não vierem – 17 das 18 principais usinas do país estão com reservatórios em nível inferior ao de 2001, ano do racionamento (“O Globo”, 22 de janeiro). A realidade mostra que, até agora, prevalece um dos piores cenários. O volume de chuvas em janeiro foi rebaixado pela ONS de 44% para 43% da média histórica do período. Com isso, a previsão do nível de armazenamento dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste recuou de 18% para 17,2%. Em meados de janeiro de 2014, quando a situação era considerada crítica, esse nível era mais que o dobro do atual, com 41,8% (Valor, 15 de janeiro).

Até o fim de abril o nível desses reservatórios precisa chegar ao mínimo dos mínimos de 33% para não haver interrupção de fornecimento grave durante o período seco, que se estende até dezembro. Segundo Hermes Chipp, da ONS, se chover apenas 77% da média entre novembro e abril, os reservatórios chegarão ao fim da estação chuvosa com 45% (Valor, 21 de janeiro). Estamos abaixo disso até agora. As esperanças estão depositadas em fevereiro, mas o mesmo mês em 2014 foi um desastre hídrico.

É possível driblar parte das perturbações futuras da falta de energia e água se houver um tardio apelo responsável à economia de recursos, com estímulos e punições para os consumidores, e se forjar uma coordenação dos esforços nas esferas estaduais e federal. Se isto tivesse sido feito antes, a situação agora seria bem menos desconfortável. E se não for feito agora, sem tergiversações, o desastre está bem perto no horizonte. O agravamento da crise derrubará ainda mais os investimentos e não haverá dúvidas de que a economia entrará em recessão. (Valor Econômico)
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