segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Alstom admite ter pago propina em usina de SC

Em uma auditoria interna feita na França, que recebeu a classificação de "estritamente confidencial", a Alstom reconhece ter pago uma comissão de 4,85 milhões de francos, em janeiro de 1999, para vender equipamentos para a hidrelétrica de Itá, em Santa Catarina, segundo documentos da investigação francesa obtidos pela Folha. 

É o primeiro documento oficial da Alstom a vir a público que admite o pagamento de suborno no Brasil --outros papéis, a maioria manuscrita, não tinham caráter de auditoria. Em 1999, o valor correspondia a R$ 1,6 milhão (em valores de hoje, R$ 6 milhões). 

Desde que a Alstom começou a ser investigada no Brasil, em 2008, havia rumores de que houve suborno durante a construção da hidrelétrica, mas é a primeira vez que aparece o valor pago. 

O documento da Alstom, de 2008, foi escrito pelo diretor de auditoria interna, Romain Marie, e enviado ao presidente da companhia, Patrick Kron. A empresa não quis comentá-lo. 

Além de Itá, o documento cita nove pagamentos de suborno em hidrelétricas na Venezuela, em Cingapura e no Qatar. As propinas somam cerca de € 5 milhões, segundo os auditores. 

O pagamento da comissão em Itá, segundo o memorando, foi feito pela Janus, offshore das Bahamas utilizada para pagar propina em contrato de subestações de energia em São Paulo. 

PRIVATIZAÇÃO DE FHCA hidrelétrica de Itá foi um dos projetos do programa de privatização no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).  Em 1995, a Eletrobras assinou a concessão para o consórcio AAI (Associação de Autoprodutores Independente), formado pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), OPP Petroquímica e OPP Polietilenos (empresas do grupo Odebrechet) e a Companhia de Cimento Itambé. 

O consórcio se comprometeu a gastar R$ 658 milhões numa obra orçada em R$ 1,06 bilhão em valores de 1995 (R$ 5 bilhões hoje). A diferença (R$ 402 milhões) foi bancada pela Eletrosul, estatal que foi parceira do consórcio até 1998. Os recursos privados foram emprestados pelo BNDES. 

O contrato da Alstom com a offshore que cuidou do pagamento menciona que a suposta consultoria seria prestada à Associação de Autoprodutores Independentes. Como havia uma mescla de empresas públicas e privadas, não dá para saber quem recebeu os quase 5 milhões de francos sem quebra de sigilo. 

Dois profissionais que participaram do processo de privatização de Itá, ouvidos pela Folha sob condição de que anonimato, dizem que Eletrobras e a Eletrosul eram as empresas que tinham relações com a Alstom porque a multinacional é uma tradicional fornecedora do setor elétrico. 

A concessão também enfrentou problemas no Tribunal de Contas da União, que apontou irregularidades na concorrência em 1995. O presidente da Eletrosul em 1998, Claudio Ávila, afilhado político de Jorge Bornhausen (DEM), afirmou à Folha que a estatal não cuidou da compra de turbinas para a hidrelétrica de Itá. 

"A Eletrosul foi responsável pela parte social da usina, a remoção de famílias e a construção da nova cidade", disse.  Apesar das suspeitas sobre suborno em Itá existirem desde 2008, o caso não foi investigado. Em Santa Catarina, a Polícia Federal não tem registro de inquérito sobre a propina auditada pela Alstom. (Folha de S. Paulo)
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