Em uma auditoria interna feita na França, que recebeu a classificação de "estritamente confidencial", a Alstom reconhece ter pago uma comissão de 4,85 milhões de francos, em janeiro de 1999, para vender equipamentos para a hidrelétrica de Itá, em Santa Catarina, segundo documentos da investigação francesa obtidos pela Folha.
É o primeiro documento oficial da Alstom a vir a público que admite o pagamento de suborno no Brasil --outros papéis, a maioria manuscrita, não tinham caráter de auditoria. Em 1999, o valor correspondia a R$ 1,6 milhão (em valores de hoje, R$ 6 milhões).
Desde que a Alstom começou a ser investigada no Brasil, em 2008, havia rumores de que houve suborno durante a construção da hidrelétrica, mas é a primeira vez que aparece o valor pago.
O documento da Alstom, de 2008, foi escrito pelo diretor de auditoria interna, Romain Marie, e enviado ao presidente da companhia, Patrick Kron. A empresa não quis comentá-lo.
Além de Itá, o documento cita nove pagamentos de suborno em hidrelétricas na Venezuela, em Cingapura e no Qatar. As propinas somam cerca de € 5 milhões, segundo os auditores.
O pagamento da comissão em Itá, segundo o memorando, foi feito pela Janus, offshore das Bahamas utilizada para pagar propina em contrato de subestações de energia em São Paulo.
PRIVATIZAÇÃO DE FHC - A hidrelétrica de Itá foi um dos projetos do programa de privatização no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 1995, a Eletrobras assinou a concessão para o consórcio AAI (Associação de Autoprodutores Independente), formado pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), OPP Petroquímica e OPP Polietilenos (empresas do grupo Odebrechet) e a Companhia de Cimento Itambé.
O consórcio se comprometeu a gastar R$ 658 milhões numa obra orçada em R$ 1,06 bilhão em valores de 1995 (R$ 5 bilhões hoje). A diferença (R$ 402 milhões) foi bancada pela Eletrosul, estatal que foi parceira do consórcio até 1998. Os recursos privados foram emprestados pelo BNDES.
O contrato da Alstom com a offshore que cuidou do pagamento menciona que a suposta consultoria seria prestada à Associação de Autoprodutores Independentes. Como havia uma mescla de empresas públicas e privadas, não dá para saber quem recebeu os quase 5 milhões de francos sem quebra de sigilo.
Dois profissionais que participaram do processo de privatização de Itá, ouvidos pela Folha sob condição de que anonimato, dizem que Eletrobras e a Eletrosul eram as empresas que tinham relações com a Alstom porque a multinacional é uma tradicional fornecedora do setor elétrico.
A concessão também enfrentou problemas no Tribunal de Contas da União, que apontou irregularidades na concorrência em 1995. O presidente da Eletrosul em 1998, Claudio Ávila, afilhado político de Jorge Bornhausen (DEM), afirmou à Folha que a estatal não cuidou da compra de turbinas para a hidrelétrica de Itá.
"A Eletrosul foi responsável pela parte social da usina, a remoção de famílias e a construção da nova cidade", disse. Apesar das suspeitas sobre suborno em Itá existirem desde 2008, o caso não foi investigado. Em Santa Catarina, a Polícia Federal não tem registro de inquérito sobre a propina auditada pela Alstom. (Folha de S. Paulo)
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